POR Elenilto Saldanha Damasceno: Bíblia e Literatura

12 de setembro de 2023 - 09:03
Por Elenilto Saldanha Damasceno - Professor, escritor e jornalista

O crítico literário, escritor, filósofo, professor e teólogo canadense Herman Northrop Frye (1912 – 1991) é autor da obra The great Code: the Bible and Literature, publicada em 1982, cuja tradução em língua portuguesa, publicada em 2004, recebeu o título O Código dos códigos: a Bíblia e a Literatura.

Na introdução de O Código dos códigos, Frye esclarece seu objetivo: “Este livro tenta estudar a Bíblia do ponto de vista de um crítico literário”. O autor postula a tese de que a Bíblia é a matriz e fonte de toda a cultura ocidental. Arte e Literatura estão impregnadas de concepções e motivos bíblicos, e Frye justifica isso baseado no fundamento arquetípico. Conforme o autor, o ser humano, “ao contrário dos animais, não está nu nem imerso na natureza. Ele está dentro de um universo mitológico, um corpo de pressupostos e crenças desenvolvidos a partir de suas inquietações existenciais. De tudo isso, a maior parte é inconsciente. Isso significa que nossa imaginação pode reconhecer partes desse corpo, quando apresentadas na arte ou na literatura, sem que compreendamos o que na verdade reconhecemos. Na prática, o que podemos reconhecer deste corpo de inquietações vem de um condicionamento social e de um legado cultural. Sob este legado deve haver outro, de raiz psicológica; de outro modo seriam ininteligíveis para nós formas de cultura e de imaginação que viessem de fora da nossa própria”.

Embora declare que “a Bíblia ilude todos os critérios literários”, o crítico canadense reconhece a veracidade do verso do poeta e pintor inglês William Blake, o qual enuncia que “o Antigo e o Novo Testamento são o grande Código da Arte”. Frye defende a ideia de que “nenhum livro poderia ter uma influência literária tão pertinaz sem possuir, ele próprio, características de obra literária”. Este é o principal objetivo de O Código dos códigos: reconhecer as relações recíprocas entre Bíblia e Literatura. A Bíblia não é essencialmente uma obra literária, mas é “relevante para a literatura secular”. Além de elementos teológicos, filosóficos, históricos, a Bíblia também apresenta elementos literários.

Apesar dessa constatação, há muita resistência ao estudo das relações entre Bíblia e Literatura. Há preconceitos, no âmbito acadêmico, para considerar a Bíblia como um parâmetro de análise crítica literária. Em contrapartida, também existe forte preconceito no meio religioso, no qual prepondera uma espécie de demonização da Literatura.

Tais restrições devem ser questionadas e rompidas, porque é notório que a Bíblia sempre foi referência para grandes escritores, filósofos e obras. A Bíblia precisa ser lida literariamente, e não literalmente, ao pé da letra (esta é a leitura fundamentalista). Certamente, a leitura literária enriquece muito a compreensão da representação da vida humana nos textos bíblicos e ilumina a fé.

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