Prefeito de Novo Hamburgo assina decreto de calamidade financeira, mas dúvidas cercam a situação atual das contas

20 de março de 2025 - 06:29
Por Portal Martin Behrend

A Prefeitura de Novo Hamburgo decretou ontem (19), estado de calamidade financeira. Segundo o governo liderado pelo prefeito Gustavo Finck (PP), a medida se dá em razão das dívidas acumuladas que superam o valor de R$ 200 milhões.

O orçamento projetado para 2025 e aprovado pela Câmara de Vereadores, ainda no ano passado, é de R$ 2 bilhões.

Em coletiva realizada na tarde, Finck, a secretária da Fazenda, Michele Antonello, a secretária de Gestão, Governança e Desburocratização, Andrea Schneider Pascoal, e o procurador-geral, Vanir de Mattos, trouxeram detalhes do que motivou essa decisão.

O decreto de calamidade financeira é uma medida adotada quando a situação econômica está muito grave. Ele é usado para reconhecer que o governo não consegue mais pagar suas dívidas ou cumprir suas obrigações financeiras. Com a declaração, o governo pode adotar ações urgentes, como suspender alguns pagamentos, renegociar dívidas ou até receber mais recursos de outras esferas de governo. A ideia é dar mais flexibilidade para lidar com a crise e tentar equilibrar as finanças. O decreto vale por 180 dias.

IMPACTOS

Entre as principais medidas anunciadas hoje estão o bloqueio de 25% de todo o orçamento, pagamento das despesas essenciais e a possibilidade de renegociação dos débitos direto com os fornecedores.

Segundo o governo municipal, um dos pontos que dificultou a verificação completa nas contas do Município foi que, durante o período de transição, nem todos os acessos contábeis foram fornecidos. “A equipe de transição solicitou senha de acesso aos sistemas da Secretaria da Fazenda para consultar sobre dados da contabilidade e folha de pagamento, o que não foi autorizado pelo governo anterior”, disse a secretária Andrea Schneider Pascoal.

De acordo com os integrantes do Executivo, como a maior parte das dívidas foram geradas por serviços sem empenho, documento obrigatório para garantir que há recursos para efetivar a contratação, não havia registro contábil para mensurar quanto e para quem a Prefeitura devia. “Estávamos, literalmente, às escuras. Conforme os dias iam passando, notas fiscais eram entregues cobrando por serviços realizados, mas que não foram empenhados”, ressalta Mattos.

Conforme a secretária da Fazenda, Michele Antonello, a insuficiência financeira registrada em Novo Hamburgo quando a gestão anterior assumiu em 1º de janeiro de 2017 era de R$ 17,8 milhões e só cresceu ao longo dos últimos oito anos. “Os dados oficiais demonstram que o consolidado no final de 2024 foi de R$ 117,5 milhões, além de mais R$ 80 milhões oriundas de despesas sem empenho que foram identificados a partir do começo da nova gestão”, explica.

Segundo o governo Finck, relatórios e informações desta situação foram repassadas ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), ao Ministério Público e à Câmara de Vereadores. “Esse orçamento de dois bilhões pra 2025 está superestimado. Deve ficar entre R$ 1,4 a R$ 1,6 bilhão”, estima Finck, que foi vereador nos últimos quatro anos com responsabilidade de fiscalizar a aplicação dos recursos.

Entre as decisões, está a suspensão das despesas relacionados com diárias, participações em cursos, treinamentos, seminários e congressos para agentes políticos, bem como despesas com telefone móvel para servidores, salvo os casos autorizados expressamente pelo Prefeito,

CONTRADIÇÕES DO GOVERNO

Na contramão da publicação do decreto de calamidade financeira, estão posturas contraditórias da gestão de Gustavo Finck.

Centenas de CCs

Mesmo com o decreto, o governo não vai exonerar centenas de CCs que já foram nomeados na Prefeitura, Comur, Comusa e Fundação de Saúde Pública. São indicações de aliados e de vereadores ocupando cargos, muitas vezes, sem prioridade. É um custo milionário por ano com CCs, que estão prestigiados. Para os CCs não têm calamidade financeira. Nos três primeiros meses, houve um esforço de acomodar dezenas de aliados e militantes políticos.

Um fato: o governo municipal reduziu o número de CCs em comparação com o governo da ex-prefeita Fátima Daudt, mas numa cidade em calamidade financeira é um percentual pequeno diante do custo milionário anual.

Indicação da secretária da Fazenda

Gustavo Finck foi eleito em 6 de outubro de 2024. Mesmo dizendo na campanha que a cidade estava quebrada, ele foi anunciar a titular da Secretaria da Fazenda em 2 de fevereiro de 2025. Foram praticamente cinco meses sem um titular das finanças.

Uma falta de planejamento, prioridade ou desconhecimento de gestão. A secretária ainda veio de Santa Maria, precisando alguns dias para se entrosar e conhecer a realidade da cidade. A situação financeira é tão dramática a ponto de o prefeito esperar cinco meses para indicar a secretária da Fazenda?

Transição cheia de falhas

Os quase três meses de transição entre o governo anterior e o novo governo foram cheio de falhas. Finck optou por fazer viagens e ficou cerca de duas semanas longe de Novo Hamburgo. Também tirou um tempo de descanso. Quando chegou 1º de janeiro de 2025, faltavam vários secretários titulares, que foram sendo anunciados em janeiro, fevereiro e março. A ausência de um primeiro escalão alinhado impacta em decisões ainda hoje.

Ipasem

O maior rombo das contas públicas de Novo Hamburgo, há anos, é com o Ipasem (Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores Municipais de Novo Hamburgo). Em 2022, houve um projeto de Reforma da Previdência sendo analisado na Câmara de Vereadores. Foi uma proposta da Prefeitura. Este projeto aliviaria as contas do Executivo, que ganharia um fôlego – inclusive para o atual governo. A bancada do PP, incluindo Finck, votou contra e ajudou a aumentar o rombo nas contas.

Promessas de campanha

Gustavo Finck foi o candidato que mais fez promessas na campanha de 2024. Sinalizou com soluções para todos os problemas da cidade. Prometeu inúmeros investimentos, corte de impostos, passagem mais barata. Poucos meses após ser eleito, mudou radicalmente o discurso. O tarifaço da água é uma realidade.

Segundo um ex-líder do governo anterior, que pediu para não ser identificado, esta declaração é uma jogada de marketing para justificar que não vai cumprir as promessas de campanha. “Todas as cidades têm dívidas. As empresas têm dívidas. Imagina se cada município decidir parar por causa de dívidas? Os Estados Unidos têm dívidas de trilhões de dólares. Prometeu o que não podia cumprir e já está se justificando”, avaliou.

Ele citou que o prefeito de São Leopoldo, Heliomar Franco, anunciou em janeiro uma herança do governo do PT de meio bilhão de reais em dívidas, e mesmo assim não criou um decreto de calamidade.

Capag

O site Tesouro Nacional Transparente divulga a Capacidade de Pagamento (CAPAG) dos municípios brasileiros. São avaliados indicadores como endividamento, poupança corrente, qualidade fiscal e liquidez relativa.

De acordo com os dados mais recentes disponibilizados, de 2023 e 2024, a cidade de Novo Hamburgo está com o índice melhor que a cidade de Santa Maria, onde, por exemplo, estava atuando a atual secretária da Fazenda de Novo Hamburgo.

Despesa x Receita

Segundo consta no site da Transparência da Prefeitura de Novo Hamburgo, de janeiro a março deste ano:

Receita no período: R$ 191.533.547,96 (191 milhões de reais)

Despesa no período: R$ 132.358.216,14 (132 milhões de reais)

Segundo os dados do site, é um saldo positivo de R$ 60 milhões.

PREFEITURA FÁTIMA DIZ QUE É UM CIRCO

A noite, por vídeo, a ex-prefeita de Novo Hamburgo, Fátima Daudt, diz que “foi um circo o que aconteceu”. “A prefeitura de Novo Hamburgo passou para imprensa informações mentirosas, que minhas contas não foram aprovadas, porque foram aprovadas com unanimidade”, afirmou. A prefeita disse ainda que durante oito anos de governo as contas sempre foram pagas, mesmo com dificuldades. “Quem é gestor sabe que precisa lidar com déficit. “Nunca atrasamos folha de pagamento. Não tivemos greve e nem escândalos”, lembra.

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