Em artigo anterior*, observou-se que o narrador é a representação da instância doadora ou emissora do discurso na narrativa literária. Em relação aos fatos narrados, o narrador pode estar presente ou ausente, condições essas que definem sua tipologia. Será considerada, aqui, a terminologia definida pelo crítico e teórico literário francês Gérard Genette, segundo a qual o narrador pode ser classificado como autodiegético, homodiegético ou heterodiegético.
O narrador autodiegético é uma personagem que narra e vivencia a história. Esse tipo de narrador apresenta uma visão parcial e limitada dos acontecimentos. Preponderam suas impressões e sentimentos a respeito dos fatos narrados. Não tem conhecimento da totalidade das ações nem acesso às mentes e às razões das demais personagens. Ele constitui-se como um ponto fixo da narração centralizada em suas próprias percepções e pensamentos. De acordo com os críticos literários e professores portugueses Ana Cristina Macário Lopes e Carlos António Alves dos Reis, o narrador autodiegético é uma “entidade que protagoniza a dupla aventura de ser herói da história e responsável pela sua narração”.
O narrador homodiegético é também um narrador o qual se faz presente em relação aos fatos narrados, mas não na condição de protagonista, e sim de personagem-testemunha. É o tipo de narrador menos frequente em obras literárias. Conforme o filósofo e linguista búlgaro Tzvetan Todorov, é um narrador que “sabe menos que qualquer das personagens. Pode-nos descrever unicamente o que se vê, ouve etc., mas não tem acesso a nenhuma consciência”.
Já o narrador heterodiegético narra de uma posição a qual transcende o espaço, o tempo e a subjetividade das personagens. É um sujeito do enunciado que se coloca numa posição privilegiada, acima da diegese (da própria narração). Distancia-se, como sujeito da enunciação, daquilo que narra e torna-se um mediador entre a história e a leitora ou o leitor. Não participa do enredo como personagem e pode saber tudo (ou não) a respeito dos acontecimentos. Quando onisciente, é denominado narrador heterodiegético demiúrgico. Segundo Lopes e Reis, esse tipo de narrador “exprime-se na terceira pessoa […]. Em certa medida, por força das características descritas, reforçadas pelo fato de muitas vezes o narrador heterodiegético se situar num nível extradiegético e pelo anonimato que quase sempre o atinge, esta situação narrativa favorece a confusão do narrador com o autor”. Ressalte-se, porém, mais uma vez, que narrador e autor não representam as mesmas instâncias discursivas. Assim como as personagens, o narrador é uma criatura fictícia criada pela autora ou pelo autor textual para atuar como sujeito do discurso literário narrativo.
* Distinção entre narrador e narratário
Disponível em: https://berlinda.com.br/2023/06/20/por-elenilto-damasceno-distincao-entre-narrador-e-narratario/