Nesta sexta-feira, 20, o programa Berlinda Entrevista recebeu o professor Carlos Gadea, da Escola de Humanidades da Unisinos, para discutir os desafios e os riscos do excesso de exposição digital por parte de prefeitos, vereadores e secretários municipais. Naturalizado brasileiro e doutor em sociologia política, o uruguaio Gadea falou de Montevidéu sobre como vídeos e postagens podem distorcer a percepção pública e desviar o foco da verdadeira gestão.
O perigo das narrativas parciais
Carlos Gadea alerta que, com um celular na mão, qualquer gestor pode escolher “o melhor ângulo” e omitir o contexto que contraria sua versão dos fatos. Esse manuseio seletivo da informação — mostrar apenas o que favorece sua imagem — pode confundir a população e enfraquecer o debate sobre soluções reais.
Além disso, Gadea observa que essa prática frequentemente substitui o engajamento em projetos estruturais maiores. “Em vez de apresentar o plano de drenagem completo, muitos políticos exibem apenas o reparo de um bueiro, o aperto de um parafuso em uma bomba de drenagem, como se isso bastasse para resolver o problema de enchentes”, exemplificou, lembrando que a política deve tratar de problemas coletivos, não de pequenos ajustes isolados.
Fiscalização cidadã e responsabilidade técnica
Para o professor, a sociedade precisa fiscalizar de forma organizada as promessas divulgadas nas redes.
“A própria comunidade deve se unir em prol do bem comum e exigir a entrega de projetos robustos — diques, estações de bombeamento, drenagens subterrâneas — e não meras selfies e vídeos em obras pontuais, publicizados em redes sociais”, recomendou.
Gadea também ressaltou a existência de técnicos e instituições capazes de elaborar estudos aprofundados. “A Prefeitura não está sozinha: a Unisinos, com seu corpo docente, pode firmar convênios e oferecer o know-how necessário para planejar intervenções de grande escala”, afirmou, destacando a importância de parcerias público-privadas bem estruturadas.
Populismo digital versus soluções estruturais
O professor Carlos Gadea destacou que a presença ostensiva de políticos nas redes sociais, com vídeos e selfies, muitas vezes serve mais à autopromoção do que ao benefício público.
“Um prefeito ou qualquer político não deveria recorrer ao uso excessivo de mídias para se auto promover. O que a população espera é planejamento e projetos consistentes, não gravações pontuais mostrando um problema corriqueiro resolvido”, criticou Gadea.
Ele apontou que, em São Leopoldo e em cidades vizinhas como Canoas, há recursos federais disponíveis para obras estruturais de contenção de enchentes, mas esses só chegam aos municípios se forem acompanhados de projetos formais aprovados pelo governo estadual. “Não se trata de falta de dinheiro, mas de inércia administrativa: até o momento, nem São Leopoldo nem Canoas enviaram propostas à Secretaria de Reconstrução do RS. Se opta então por narrativas, ao invés de ações práticas”, explicou.
Gadea alertou que a “proliferação de vídeos” de intervenções pontuais — “apertar um parafuso em bomba”, “limpar bueiro” — gera uma falsa sensação de progresso. “Enquanto mídias digitais mostram essas ações simbólicas, a população continua à mercê de cheias que precisam de drenagens, galerias pluviais e diqueamentos robustos para o seu efetivo controle”, completou.
Para superar o problema, o professor sugeriu o aproveitamento de expertise acadêmica local: “Se faltam técnicos na Prefeitura – o que não acredito, pois sei que possuem um corpo técnico competente – nós temos a Unisinos pronta para firmar convênios, levantar projetos e aplicar inteligência e mapeamento rigoroso da realidade de São Leopoldo”
Papel adequado de prefeitos e vereadores
Segundo Gadea, há uma confusão de papéis quando gestores públicos se colocam como executores de serviços técnicos.
“O vereador deve atuar na esfera legislativa e na fiscalização dos atos do Executivo; o prefeito, em formular políticas e mobilizar equipes qualificadas”, explicou.
Ele reconheceu, porém, que situações de crise extrema, como as enchentes de 2024, justificaram um comportamento mais visível do então prefeito Vanazzi. “Quem me conhece sabe que não tenho viés partidário e sou crítico de praticamente todas as gestões municipais que aqui passaram, então tenho total autonomia de dizer: naquele momento, vestir a ‘capa amarela’ tinha valor simbólico para mobilizar a população. Mas isso não substitui a planejamento prévio e a execução de obras duradouras”.
Meta-relatos e interesses eleitorais
Por fim, o professor chamou atenção para o uso das redes como vitrine eleitoral. “Quando um político investe pesado em publicidade digital, é quase certo que ele visa a próxima candidatura, pois constrói na memória do eleitor a imagem de alguém ‘fazendo algo’”, argumentou.
Essa politização das pequenas ações acaba elevando intervenções pontuais ao patamar de grandes conquistas, diluindo a urgência de projetos de longo prazo. Gadea concluiu que esse viés eleitoral impede que demandas estruturais importantes sejam, de fato, priorizadas em prol de “populismos e discursos” que apenas tiram o foco dos reais problemas.
“Por trás disso tudo, existe uma grande politização. O que se passa com estas ações, são meta-relatos: ‘Nós estamos fazendo, enquanto os anteriores não fizeram’. E isso é uma forma perversa de agir e comunicar das administrações públicas, que estão sempre pensando nas próximas eleições. Claramente as administrações estão se pautando a partir de um comportamento eleitoral somente. Então isso impede que grandes demandas sejam realmente levadas a frente, em prol de medidas populistas pontuais, que em determinadas situações trazem engajamento”, finaliza.
Acompanhe o programa na íntegra: