No artigo anterior*, comentei sobre um fenômeno próprio das narrativas literárias: a simbiose personagem-pessoa e seu poder de envolver leitoras e leitores. A ideia deste artigo é começar a apresentar cinco personagens literárias incríveis, e proporei um recorte: destacar cinco personagens femininas da Literatura brasileira.
A primeira delas é Capitu, do romance “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Ela é, talvez, a maior ou uma das grandes personagens da produção machadiana e da Literatura do século XIX – quase século XX, porque o livro foi publicado em 1899. Capitu, menina de origem humilde, criada numa família quase como agregada à família do narrador-protagonista Bento Santiago, é uma personagem fascinante, mesmo que seja representada através do discurso desse narrador suspeito, o qual tende a desqualificá-la e incriminá-la como ardilosa e adúltera. O fato é que Capitu é apaixonante, apesar do tom de descredibilidade com que é construída. É uma mulher muito determinada, mas no contexto de uma sociedade patriarcal opressora, em que se exige das mulheres chegarem a um “bom” casamento, Capitu não foge a essa regra. Porém, na narrativa, assume papel de protagonismo, à medida que gera dúvidas e não se submete ao controle social esperado. Por isso, não é à toa que Capitu seja revisitada, relida e sempre fascine leitoras e leitores. É uma personagem incrível e inesquecível.
A segunda personagem feminina a destacar faz parte do enredo de “O Continente”, de Érico Veríssimo, primeira parte da trilogia “O tempo e o vento”. Normalmente, quando se aborda essa obra e suas personagens femininas, são lembradas Bibiana Terra, Ana Terra, Maria Valéria Terra. Luzia Silva Cambará também é uma grande personagem. É uma protagonista que, de certa forma, é antagonista de Bibiana, nos episódios de conflitos entre ambas, e que impacta e transtorna uma pequena comunidade rural e patriarcal que representa, muito bem, a formação histórica do Rio Grande do Sul. Por ser uma mulher vinda do Rio de Janeiro e que estudou na Corte, ao se deparar com o meio social e a vida precária e repleta de preconceitos e ignorância na pequena Santa Fé, a cidade fictícia criada por Érico Veríssimo, Luzia termina por desacomodar a tudo e a todos ao seu redor. Ela é uma personagem muito complexa, com algumas questões e labirintos psicológicos realmente intrigantes, principalmente sua paixão mórbida pela morte, a qual revela transtornos psíquicos. Seu desprezo pela vida e seu apreço obsessivo pela morte fazem com que reaja aos preconceitos que sofre por meio de desprezo aos outros e da impossibilidade de criar verdadeiros laços afetivos, inclusive com seu filho Licurgo, em quem deixa marcas profundas. Luzia é uma incrível criação de Érico Veríssimo e uma das grandes personagens da Literatura gaúcha.
* A personagem literária
Disponível em: https://berlinda.com.br/2023/02/28/por-elenilton-damasceno-a-personagem-literaria/