As personagens literárias constituem o nível atorial do plano ficcional. As ações narradas dependem de sujeitos que as pratiquem; por isso, conforme os críticos literários e professores portugueses Ana Cristina Macário Lopes e Carlos António Alves dos Reis, “a personagem revela-se, não raro, o eixo em torno do qual gira a ação e em função do qual se organiza a economia [organização] da narrativa”.
Geralmente, as personagens literárias são seres humanos com uma identidade (nome, fisionomia, temperamento, caráter, comportamento). De acordo com Vítor Manuel Pires de Aguiar e Silva, crítico literário e professor português, a personagem “adquire significação, mais ou menos rapidamente e com maior ou menos clareza, através das suas palavras, dos seus atos e das suas oposições, diferenças e afinidades relativamente a outras personagens”. A caracterização da personagem pode estar diretamente condicionada à visão do narrador, à visão de outra personagem ou à sua própria visão, e também está indiretamente condicionada à visão parcial da leitora ou do leitor.
A simbiose personagem-pessoa é um dos mais extraordinários fenômenos da narrativa literária. O ser humano, em suas experiências de vida, forma sua identidade através da alteridade. Nas relações com os outros, constrói, afirma e consolida seu ego, mas também por meio da Literatura, enquanto leitora ou leitor, nas possíveis relações estabelecidas com “as personagens-outros egos”.
Isso se dá porque as personagens, as pessoas nas narrativas, têm suas vidas secretas expostas, enquanto as pessoas reais preservam sua intimidade. As personagens seguem as próprias regras da obra ficcional, enquanto as pessoas se sujeitam às regras do mundo. Tanto as personagens como as pessoas evocam memórias baseadas nos fatos passados vividos. Muitas vezes, por se mostrarem mais abertamente, exporem o que é íntimo, trazerem à superfície aquilo que é sufocado, as personagens, em sua complexidade, parecem ser mais verdadeiras que as pessoas.
Uma das melhores explicações que li sobre o poder da personagem literária é a do crítico literário e escritor britânico Edward Morgan Forster, em sua obra “Aspectos do romance”. A personagem “pertence a um mundo onde a vida secreta é visível, um mundo que não é e nem pode ser o nosso, […] uma realidade de tal espécie como nunca teremos na vida”, visto que, em nossos relacionamentos pessoais e suas contingências sociais, “Não nos podemos compreender uns aos outros, a não ser de um modo imperfeito; não podemos revelar-nos, nem mesmo quando o queremos; o que chamamos de intimidade é apenas um expediente temporário; o conhecimento perfeito é uma ilusão. Mas num romance podemos conhecer as pessoas perfeitamente e, à parte do prazer geral da leitura, podemos encontrar aqui uma compensação” por nossas imprecisões e nossa impossibilidade de alcançar pleno autoconhecimento.
[…] Disponível em: https://berlinda.com.br/2023/02/28/por-elenilton-damasceno-a-personagem-literaria/ […]
Grande Elenilto Damasceno. Excelente texto a relação entre o que é uma personagem literária e como podemos nos compreender melhor através dela.