Há certa resistência ao estudo da Bíblia no meio acadêmico por se considerar que envolva aspectos interferentes relacionados a crenças e posicionamentos individuais. Contudo, há razões para crer que esse posicionamento resulta de um conceito estabelecido e vigente de que o trabalho de pesquisa científica deve centralizar-se em abordagens predominantemente descritivas que, por vezes, dificultam o estabelecimento de relações entre os discursos teológico, filosófico, histórico e literário presentes na Bíblia.
A Literatura é o espaço mais aberto e amplo para a expressão criativa através da linguagem. Excluir qualquer tipo de texto, literário ou com elementos literários, da possibilidade de estudo acadêmico na área da Literatura é restringir a compreensão da linguagem literária. Quando esse texto desprezado é a Bíblia, cânone da formação cultural ocidental, tal exclusão torna-se ainda mais significativa e questionável. Essa atitude pode ser associada à construção de um impressionante edifício a partir da fachada externa, sem considerar seus alicerces e sua estrutura interior.
Em sua obra “O Código dos códigos: a Bíblia e a literatura”, o crítico literário e professor canadense Northrop Frye (2004, p. 18) declara que “A Bíblia, certamente, é um elemento da maior grandeza em nossa tradição imaginativa, seja lá o que pensemos a seu respeito. Todo o tempo ela nos lança a pergunta: por que esse livro enorme, extenso, desajeitado, fica bem no meio de nosso legado cultural […]? [Alguns teóricos elaboraram] uma sofisticada teoria da cultura baseando-se apenas na história secular, evitando de todo a Bíblia. Havia prudência nisso; mas hoje essa desculpa não se sustenta, em se tratando de eruditos que tratam de questões levantadas pela Bíblia e que se comportam como se ela não existisse”.
Não é propósito da Literatura ser dissecada pela Ciência, e sim expressar potencialidades de criação artística através da plurissignificação da linguagem. A Literatura é Arte. Faz parte da formação de um ser humano crítico saber ler criativamente e com sensibilidade, habilidade que a Literatura e a Bíblia (enquanto discurso literário) desenvolvem. Logo, não há razão para que os textos bíblicos deixem de ser analisados também numa perspectiva literária. A Bíblia, assim como a Literatura, propõe questionamentos e reflexões que buscam e podem resgatar (ou “re-humanizar”) a humanidade. Compreendê-la nesse aspecto é importante e urgente, principalmente neste atual contexto em que os textos bíblicos têm sido explorados, de forma intensa e deturpada, para demonização da Arte e da Literatura e para promoção de irracionalidade, ódio e violência desumanizadoras.