Sete horas da manhã. O ronco familiar do motor anuncia a chegada do “coletivo” sobre rodas. Somos os de sempre, os rostos que se repetem dia após dia, como notas de uma melodia matinal. Cada um com sua pressa, suas angústias, suas alegrias e seus pensamentos ainda embrulhados no sono, mas com a certeza silenciosa de encontrar os mesmos vizinhos de jornada.
Em cada embarque, uma nova história…
Ali está a senhora de Cardigan, sempre na janela, observando o despertar da cidade com um olhar sereno. Mais adiante, o rapaz dos fones de ouvido, absorto em seu universo particular. Não podemos nos esquecer da moça com o seu livro, sempre atenta a sua leitura, nem da mãe que acompanha seu filho até a escola. E nós, os outros, cada um com seu lugar cativo, quase um ritual. Ninguém precisa dizer, mas sabemos quem se senta onde. É um pacto tácito, uma geografia humana que se desenha a cada amanhecer.
Mas o maestro dessa pequena comunidade itinerante é ele, o motorista. Seu bom dia ecoa como um raio de sol, dissipando qualquer resquício de mau humor. Ele nos conhece pelos nomes, pelos sorrisos (e até pelas carrancas matinais). Há um cuidado em cada arrancada suave, em cada freada atenciosa. Ele espera pacientemente o último apressado, oferece um sorriso compreensivo para o passageiro com a sacola pesada e, para aqueles com mobilidade reduzida, a ajuda é imediata, um gesto de pura gentileza.
No vaivém do embarque e desembarque, percebe-se o respeito mútuo que floresceu entre ele e seus passageiros. Um “obrigado” sincero, um aceno de cabeça, um breve comentário sobre o tempo. Pequenas gentilezas que aquecem a alma e transformam a rotina em algo mais humano, mais acolhedor.
E assim seguimos, dia após dia, guiados por um condutor que vai além da sua função. Ele não apenas dirige um ônibus, ele conduz relações, semeia gentileza e nos lembra que, mesmo na agitação da cidade, ainda há espaço para o cuidado e o afeto. E por essas pequenas gentilezas cotidianas, somos gratos.
E a cada embarque e desembarque, o livro da vida vai ganhando um novo capítulo. Porém, essa história não acaba aqui. Ela continua do ponto onde parou, amanhã, às 7h da manhã!
Boa viagem…
Cíntia Maciel – Graduada em Letras, Pós-Graduada em Neuropsicopedagogia, Supervisão Escolar, Docência no Ensino Superior, Atendimento Educacional Especializado, Atendimento Educacional Especializado com Ênfase em Autismo, Gestão de projetos sociais e membro da Academia de Letras do Brasil Seccional Rio Grande do Sul.