A artista visual e fotografa Mariana Jesus está com a exposição 40NÓS na Galeria Liana Brandão (Oswaldo Aranha 934-Centro Cultural José Pedro Boéssio-Centro São Leopoldo), até 28 de junho, de segunda à sexta das 09h às 17h.
A série fotográfica (tocante, belíssima, pungente!)registra o cotidiano de um casal confinado em seu lar durante a pandemia de COVID-19.Um corajoso, delicado e terno se mostrar ao público com naturalidade e arte refinada.
Conversei essa semana com a fotógrafa, artista visual e professora Mariana Jesus. Ela é natural de Salvador (BA), mas vive em São Leopoldo (RS). Graduanda em Artes Visuais na UERGS, atua como docente na Escola de Fotografia Fluxo (POA) e em projetos sociais e ambientais como o Guardiões da Água (Semae). Sua produção articula arte e ativismo com foco em negritude, LGBTQIAPN+ e sustentabilidade. Integra o Coletivo 2×3 Poéticas de Aproximação, o Núcleo de Fotografia da UERGS e o projeto Infraordinário (Uergs/Flume). Veja abaixo o bate-papo que tivemos.
Cidade: Quando começou teu interesse por imagens e fotografia?
Mariana: Já tinha contato com a fotografia quando criança, fotografava com câmera de filme e lembro que queimava vários filmes da minha mãe, curiosa como era a máquina por dentro. Ou querendo já ver o resultado. Mas meu contato técnico com a fotografia chegou na universidade de jornalismo em Salvador Bahia. Tive aula de fotojornalismo e me apaixonei. Assim que terminei a faculdade de jornalismo em 2016, fui me dedicar exclusivamente para a fotografia. Fiz um curso ainda em salvador do Senac , montei um projeto de fotografia analógica. Fotografia na lata de sardinha e vim para o RS em 2017, trabalhar como oficineira de fotografia no Scfv Ilê mulher em Porto Alegre , para aplicar o projeto. Deu muito certo e …
Cidade: Como foi o start para a ideia das fotos da Exposição?
Mariana: Tudo começou quando resolvi fazer fotos minha e da minha companheira para nosso aniversário de namoro em maio de 2020. Estavamos em casa , confinadas e queríamos comemorar de alguma forma. Eu já fazia fotos nossas em Polaroid em cada época especial para montar pequenos varais fotográficos.
Mas estas fotos senti que era diferente, que era sobre o nosso cotidiano confinado. Às primeiras imagens são nossas fazendo algo que adoramos fazer juntas fumar um kumbaia e tomar sol. Depois disso quis aproveitar um momento de ruptura e fotografar a gente brigada e depois não parei mais. Fui entendendo o projeto enquanto uma série de fotografia que iria contar um pouco das nossas ações cotidianas durante a pandamei…
Cidade: Qual o aspecto mais assustador da pandemia para ti?
Mariana: No meu campo individual foi ter a minha agenda de trabalhos que estava cheia ser cancelada e não saber como gerir a casa. Pagar as contas. E pensar em como me reinventar sendo autônoma, artista da fotografia. Como se fotógrafa na pandemia, se ao menos poderíamos chegar perto um do outro? Sobrevivi com ajuda da minha mãe, com uma reserva pequena financeira e escrevendo muito projetos para editais de fomento a cultura que foram acontecendo. Inclusive já havia inscrito o 40Nós em editais, mas não rolou.
Meu outro temor era com relação a minha família que mora em Salvador e a minha mãe que estava em grupo de risco por ser idosa. Eu ficava muito tensa pensando nos cuidados que minha família teria que ter para não contrair a COVID.
Cidade: Com o cotidiano mudado, a intimidade mudou também?
Mariana: Assim como todas as famílias que ficaram confinadas e tiveram seus abalos por desentendimentos, nós também passamos. Acredito que não foi fácil para ninguém não poder ter momentos sozinhos quando se mora com outra pessoa. Não foi fácil para mim e nem fácil para ela. A gente foi fazendo acordos para respeitar nossas individualidades e espaços solos que eram possíveis. Mas também tínhamos momentos de fazer coisas juntas. Eu gosto bastante de cozinhar , então era meu momento de pensar na vida, fotografar , olhar imagens, debater sobre fotografia era uma forma também de ter o meu momento. O dela era yoga, dança. A gente foi ocupando também a casa de várias formas. No outono/inverno fomos para a sala que tin…
Cidade: O que tu percebeu através das lentes que tu não percebia antes das fotos da intimidade de vcs?
Mariana: Eu tive a certeza que aquele apartamento era minúsculo mesmo! E que foi um grande desafio passar a pandemia nele. O conjunto de edifícios que namorávamos parecia a janela indiscreta de Hitchcock. Para onde olhavamos tinham vizinhos nos olhando na tentativa de olhar para além também, acredito. Quanto à intimidade, não sei. Acho que nada ali é surpresa. Sempre fomos transparentes na nossa relação juntas, na forma pelo qual vemos e vivemos a vida. Às fotos dão conta de mostrar pequenos momentos que tivemos naquele contexto. Mas segue falando muito também sobre relação duradoura, sobre amor, respeito e cuidado. Sobre cumplicidade. Coisas que estamos construindo há 8 anos juntas.
Cidade: O particular é poético?
Mariana: Sim! Particular é poético. É resultante de muitos trabalhos potentes que temos dentro das artes visuais e em outras áreas artísticas também. Nós somos arquivos pulsantes, viventes. Eu pelo menos crio, produzo a partir da minha autorrepresentação do mundo, das minhas vivências e experiências. Ligada a ideia de arte e vida. Esse trabalho está no canto da particularidade pública. Quantos casais passaram pela mesma coisa durante a pandemia ? Quantos descansaram? Quantos seguem firmes após a quarentena? Nós fazemos parte destes contextos. O que fizemos foi abrir o nosso individual para escutar o público que também é composto de famílias que também devem ter muito a falar sobre. Abrimos nossa intimidade de forma poética e leve para falar de um momento tão duro o qual passamos coletivamente.