POR ELENILTO DAMASCENO: O vendaval Luzia, de “O tempo e o vento”

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Quem já se maravilhou com a leitura de “O tempo e o vento” lembrará, certamente, de algumas personagens inesquecíveis. Mesmo ao retratar uma saga familiar em uma sociedade conservadora, patriarcal e machista, Érico Veríssimo construiu protagonistas femininas marcantes, pela profundidade psicológica e por suas formas de agir e pensar. Uma dessas grandes personagens é Luzia Silva Cambará, em “O Continente”.

Luzia é uma personagem complexa. Neta e única herdeira de Aguinaldo Silva, foi educada em um colégio de freiras, na Corte. Luzia é uma mulher autêntica, completamente deslocada no ambiente provinciano de Santa Fé. Culta e refinada, é vista com desconfiança pelos santafeenses e reage a essa animosidade com desprezo e indiferença aos moradores e costumes locais.

A jovem senhora do Sobrado é mimada e tem, no casamento com o fraco e apaixonado Bolívar, oportunidades para externar seus sentimentos de indiferença pelos outros e exercitar seu poder de sedução tirânico. Luzia é uma pessoa desequilibrada, sofre de distúrbio psicótico maníaco mórbido. Sua fixação pela morte reflete seu total desprezo pela vida. É uma personagem caracterizada pelos conflitos de uma personalidade que não aceita a si própria, projetados em mecanismos de defesa pelos quais justifica a inadaptabilidade ao meio social em virtude da insignificância das pessoas com quem convive, as quais considera seres inferiores ou “coisas”. Luzia não consegue criar laços afetivos verdadeiros, dos quais sempre foge ao procurar exercer domínio sobre as pessoas, humilhá-las e afastá-las.

Exceções à regra são o relacionamento amistoso com o doutor Carl Winter e o relacionamento competitivo e atribulado com a sogra Bibiana Terra Cambará. Na relação com o médico, Luzia reconhece a condição de paridade intelectual e busca exercer seu domínio através do fascínio pelo mistério. Já no convívio com a sogra, Luzia encontra o contraponto de sua personalidade, contra o qual trava uma verdadeira batalha psicológica (daí o título do capítulo “A guerra”, em “O Continente”). Nessa guerra, aparentemente, Bibiana sai vencedora, pois Luzia morre de câncer. No conflito entre as duas personagens, Bibiana recupera o Sobrado, mas Luzia inferniza a vida de Bolívar e deixa marcas irreparáveis na personalidade do filho Licurgo. De resto, na luta pelo objetivo de manter a unidade do patrimônio e da família, ambas são perdedoras.

Luzia somatiza seus distúrbios psíquicos na forma de um tumor maligno no estômago. Contudo, sente prazer na expectativa da própria morte, a qual é uma sombra da sua personalidade. Ela reconhece e cultua a morte como entidade superior, a única com a qual cria laços afetivos e é capaz de respeitar e amar. É por isso que, para leitoras e leitores envolvidos e encantados pela personagem, a morte de Luzia suscita a estranha impressão de ser a sua vitória.

 

 

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