Desde as primeiras horas da manhã, o frio cortante de São Leopoldo é vencido pelo aroma reconfortante de pão recém-saído do forno. Às 4h30, no bairro Parque Itapema, Adriana já assa a fornada que será vendida pelo marido, Itamar de Souza Júnior, às margens da Rua Independência com a João Corrêa no Centro. Há 20 anos, esse casal dedica-se a levar pães caseiros e cucas fresquinhas a quem passa, transformando um simples alimento em motivo de afeto e sustento familiar.
Itamar, 41 anos, acorda às 5h e enfrenta uma hora de ônibus até o local das vendas: a calçada. Antes de iniciar os trabalhos, se põe de pé e com mãos espalmadas ao céu, faz uma breve oração. Relembra rapidamente da pequena Izabely, de 9 anos, que o aguarda em casa. Em seguida, com um sorriso e um “bom dia” animador nos lábios, começa a abordar motoristas e pedestres.
“Às vezes vende bem, às vezes nem tanto, mas o importante é seguirmos firmes para trazer o sustento para a família”, diz ele, com a serenidade de quem sabe que cada pãozinho faz diferença. Nos dias bons, chegam a sair de suas mãos entre 20 e 30 unidades; nos mais desafiadores, mantém a média de 15. De segunda a sexta, permanece ali das 8 às 19 horas — salvo uma breve pausa para o almoço — ou até que todo o produto esteja nas mãos dos clientes.

A aventura empreendedora de Itamar começou de forma inusitada, vendendo carnês do Baú da Felicidade do Programa Silvio Santos em sinaleiras e calçadas. Um dia, ao notar sua garra, um empresário do ramo de panificação de Novo Hamburgo o convidou a comercializar pães de queijo. “Durou três anos, até que resolvi assar eu mesmo. Desde então, nunca mais parei”, recorda. Hoje, ele percorre o mesmo ponto diário, rodeado pelo carinho de quem reconhece seu esforço: “Tem gente que vem de Porto Alegre, Canoas, Novo Hamburgo. Quando passam por aqui, sempre levam o meu pãozinho”.
Projetos e inovações
A parceria a dois impulsiona cada etapa desse sonho. “Comecei vendendo pão de queijo, depois bala de goma, paçoca. Minha esposa, que já fazia marmitas, sugeriu os pães. Juntos somos muito fortes”, afirma Itamar, enxergando na união e na fé a chave para superar as adversidades. Afinal, perderam tudo na enchente de 2024, quando a família — até então residente na Feitoria — precisou recomeçar no Parque Itapema. “Perdemos tudo, mas estamos reconquistando devagarinho, através do trabalho.”
O sonho agora é crescer: o casal busca regularizar um quiosque junto a Prefeitura no mesmo ponto de sempre, e o próximo passo, é adquirir um forno industrial para expandir a linha — imaginam mini-pizzas e brotinhos dividindo o espaço com o pão fresquinho e as cucas em breve.
A renda mensal gira em torno de um salário mínimo, já descontado todos os gastos com insumos, alimentos e transporte, mas Itamar confessa que o apoio generoso de clientes fiéis — que por vezes deixam R$ 50 ou R$ 100 em reconhecimento ao esforço — supera qualquer expectativa.
No frio que aperta a pele, mas aquece o coração, o pão de Itamar e Adriana resgata o valor da dignidade do trabalho. “O público entende que estou vendendo um alimento sagrado, o pão, que deve ser compartilhado em família”, diz ele. É nesse gesto simples — estender o saco com pães — que essa família encontra motivo para acreditar: cada fornada é mais do que sustento, é a prova de que, com coragem e dedicação, é possível transformar o dia a dia em história de superação.