POR DANIEL LEMMERTZ
Estamos vivendo um momento totalmente desconhecido, um momento de dúvidas, questionamento e incertezas.Quando escutávamos a palavra Pandemia, logo éramos remetidos a filmes de ficção científica, cuja possibilidade de acontecer era quase que nula.Porém, aconteceu !
E diante de todo esse cenário, temos os Profissionais da saúde, que não tem outra opção a não ser defender com toda sua dedicação, técnica e profissionalismo a sociedade que eles também pertencem.
Nos últimos meses temos presenciado inúmeros manifestos favoráveis aos profissionais da saúde, tais como salvas de palmas nas janelas, propagandas enaltecendo o trabalho, capas de jornais com os rostos machucados pelo uso contínuo dos equipamentos de proteção individual e assim por diante.
Contudo, a reflexão que nos cabe no momento é: Isso tudo serve para o que? Qual benefício esse trabalhador que está colocando em risco sua vida juntamente com sua família terá? Qual condição de trabalho é oferecida a esse profissional? Qual proteção social ou previdenciária ele está tendo diante do combate a esse agente nocivo tão perigoso?
Poderíamos fazer inúmeros questionamentos diante dos grandes problemas enfrentados diariamente pelos profissionais de saúde, tanto em relação a questões profissionais quanto em relação a questões previdenciárias.
Penso que muitas vezes esse trabalho tão importante prestado pelos profissionais da saúde não é reconhecido. Penso que muitas vezes os agradecimentos são mínimos perto do que realmente deveria ser feito. Penso que muitas vezes é subdimensionado a real importância dessa classe trabalhadora.
Me deparo diante de decisões judiciais que não reconhecem o direito a tempo especial dos trabalhadores da área da saúde para fins de aposentadoria especial, pois sua exposição a agentes nocivos (como atualmente o COVID-19) não é habitual ou permanente.
Certo dia li uma decisão onde o Magistrado concluiu: “Para tanto, deve haver comprovação de que o requerente exerceu atividade profissional que demande contato direto com pacientes acometidos por moléstias infecto-contagiosas ou objetos contaminados, cujo manuseio seja capaz de configurar o risco à saúde e à integridade física do trabalhador.”
Diante da Pandemia que estamos vivendo, qual comprovação maior do que os milhões de profissionais da saúde infectados, sem contar com os milhares de mortos nessa Guerra diária que estamos vivendo ainda deverão provar?
Por isso, não me resta mais dúvidas que esses Profissionais merecem muito mais que os merecidos aplausos, merecem o devido reconhecimento, proteção e garantia de seus direitos.
Recentemente, foi editada a Medida Provisória 927, onde consta que “casos de contaminação pelo coronavírus, não serão considerados ocupacionais, exceto se comprova nexo de causalidade”.
Diante dessa redação, nos resta claro e objetivo que todos os profissionais da saúde em ambiente hospitalar possuem risco de contaminação, ou seja, estão de forma habitual e permanente expostos ao COVID-19.
Em caso de contaminação do trabalhador, o nexo de causalidade, que nada mais é que o vínculo existente entre a conduta do agente e o resultado por ela produzido, deverá ser reconhecido sem qualquer possibilidade de dúvidas, pois mesmo com a possibilidade de contrair o vírus fora do seu local de trabalho, a presunção em decorrência da possibilidade de contrair em seu local de trabalho é muito maior, pois a exposição é contínua.
Nesse contexto, os profissionais da saúde teriam direito ao benefício por incapacidade temporária, como doença profissional, dispensando inclusive a carência estabelecida atualmente de 12 meses de contribuição.
Conforme exposto acima, estamos interpretando de forma unilateral a legislação atual, não tendo garantia alguma de respaldo do Poder Judiciário, motivo pelo qual, nós advogados previdenciaristas, temos a obrigação de levantar esse debate, para assim consolidarmos o entendimento diante das situações fáticas que ocorrem em nossos hospitais e postos de saúde. Informar que a saúde pública no País é delicada e grave nos parece muito simplista, pois devemos exatamente indicar quais os pontos que caracterizam essa situação.
Outro ponto que comprova que a exposição aos agentes infecto contagiosos não precisa ser permanente durante seu turno de trabalho, são as prorrogações automáticas dos benefícios por incapacidade no atual período, ou seja, evitando a exposição dos médicos e demais profissionais da saúde com o contato pessoal com o segurado, sendo realizada perícia médica indireta.Isso demonstra que a situação é muito delicada e que os agentes nocivos são gravíssimos e muito poderosos, conforme estamos vendo diariamente na mídia, com números óbitos diários.
Novamente vem o questionamento de que quantos profissionais da saúde ainda deverão falecer para terem reconhecidos seus direitos mais básicos, como tempo especial/aposentadoria especial, insalubridade em grau máximo, dentre outros.
Outro ponto importante a referir, é que os profissionais da saúde não estão limitados aos médicos e enfermeiros, mas também aos motoristas de ambulância, farmacêuticos, agentes de saúde, recepcionistas, enfim, todos os trabalhadores que exerçam atividades de assistência aos usuários da saúde.
Portanto, estamos diante de uma nova realidade para as garantias individuais e Constitucionais dos profissionais da saúde, momento propício para reafirmar jurisprudências positivas e retificar as contrárias, como os casos de exposição habitual e permanente ou necessidade de comprovação e risco quando essa constatação é inerente ao seu local de trabalho e de sua profissão.
Não adianta somente aplaudirmos esses heróis que estão de forma incansável na linha de frente, correndo riscos diários juntamente com suas famílias e pessoas que lhes cercam, mas devemos dar todas as condições profissionais e jurídicas para que continuem protegendo nossa coletividade tão bravamente.
Finalizo com uma frase da Técnica em Enfermagem, a Sra Rosane de Estância Velha, incansável na luta da categoria, que traduz parte da nossa preocupação e do que estamos vivendo na atualidade: “Salvar vidas começou a fazer sentido como se fosse uma novidade”.
Daniel Lemmertz é advogado do escritório Britto & Lemmertz Advogados Associados