O artigo anterior* apresentou duas personagens femininas incríveis da Literatura brasileira: Capitu, de “Dom Casmurro”, e Luzia, de “O tempo e o vento”. Este artigo dará continuidade ao tema.
A terceira personagem a destacar é Diadorim, do romance “Grande sertão: veredas”, de João Guimarães Rosa. Em relação aos romances mencionados anteriormente, essa narrativa representa outro espaço geográfico, o sertão mineiro, um ambiente bastante hostil e violento. A principal característica dessa personagem é que ela, desde a infância, assume a imagem e os comportamentos de um homem (de um menino e, depois, de um jagunço), e é nesse espaço e nessa condição que decide viver. A artista plástica, escritora, filósofa e professora gaúcha Márcia Angelita Tiburi, em um de seus artigos, associa a Diadorim de “Grande sertão: veredas” à obra do escritor, filósofo e professor italiano Giorgio Agamben, “Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I”. Diadorim, essa mulher que se passa por homem durante toda a vida, que vive entre jagunços e participa dos conflitos violentos e armados entre esses homens, só ao final, desnuda e morta, é reconhecida como mulher. Sua morte representa muito bem a questão biopolítica no que tange às vidas matáveis em sociedades patriarcais fundamentadas na desigualdade de gênero. Ainda em relação às questões de gênero, a obra também apresenta as inquietações da personagem protagonista, Riobaldo Tatarana, em relação a seu sentimento homoafetivo pelo companheiro jagunço, Reinaldo Diadorim, uma vez que, só ao final, vem a saber que o colega jagunço era, na realidade, Maria Deodorina, sua amada.
A quarta personagem feminina incrível que merece destaque é Macabea, do romance “A hora da estrela”, de Clarice Lispector. Macabea, ao contrário das demais personagens já mencionadas, representa toda a fragilidade, em meio a essa desigualdade de gênero, de uma moça nordestina que tem vida e criação precárias. Quando se vê sozinha no mundo, vai para o Rio de Janeiro, atrás do sonho de se tornar atriz. Traz consigo uma série de costumes, preconceitos e traumas. Aos poucos, começa a se redescobrir nesse universo diferente, a cidade do Rio de Janeiro, a partir do trabalho como datilógrafa, do contato com suas colegas e do seu primeiro relacionamento amoroso, com Olímpio, homem bastante agressivo e que não a respeita. Macabea representa inúmeras mulheres trabalhadoras invisibilizadas, inúmeros trabalhadores e trabalhadoras humilhados nesse sistema que transforma pessoas em coisas, para produzirem mercadorias e serviços para outras pessoas que as “coisificam”. “A hora da estrela” é uma história muito sensível e, ao mesmo tempo, muito revoltante, e é por intermédio dela que Clarice Lispector nos apresenta Macabea, essa personagem inesquecível, uma das grandes personagens da Literatura brasileira.
* Cinco personagens incríveis (parte 1)
Disponível em: https://berlinda.com.br/2023/03/14/por-elenilto-damasceno-cinco-personagens-incriveis-parte-1/
