O conhecimento da realidade almejado pelos seres humanos, ou seja, a busca da construção de formas de compreensão do mundo e da vida, depende da linguagem. Através da linguagem, as criaturas humanas, desassossegadas ante suas limitações e questões existenciais, tentam superar tais limites e responder a suas inquietações. A Filosofia contemporânea reconhece que essa tem sido a forma pela qual a humanidade percebe e revela a realidade que, ao ser descoberta, paralelamente está a ser construída. Essa construção de uma realidade compreensível constitui-se pela linguagem, mas conforme a escritora, filósofa e professora Marilena de Souza Chauí, “a estrutura e o funcionamento da linguagem não correspondem exatamente à estrutura e ao funcionamento das coisas. Essa descoberta conduziu a filosofia analítica à ideia da verdade como algo puramente linguístico e lógico, isto é, a verdade é a coerência interna de uma linguagem”.
A humanidade, através do desenvolvimento de códigos de linguagem, passou a dar significados e sentidos à existência das coisas, dos seres e do mundo. Parcela do que ainda é desconhecido, se desvia ou ultrapassa a razão é associada a um outro nível ou esfera de representação. Assim, a consciência humana sobre suas limitações, entre as quais se sobrepõe o desconforto em relação à morte, elabora sentidos os quais fundamentam uma realidade metafísica, além da vida e da morte, representada como transcendência.
Desde os primórdios da humanidade, desde as mais remotas civilizações, buscou-se dar sentido à realidade e também à transcendência através da linguagem. A Literatura, em artigo anterior* conceituada pelo crítico literário e professor Salvatore D’Onofrio como a mais fascinante operação do espírito humano para construção de conhecimento da realidade, através da ficção e da expressão linguística artisticamente elaborada, também é uma das formas de estabelecimento de relações de sentido entre a realidade conhecida e o desconhecido. Outra dessas formas é a Religião e, geralmente, um de seus elementos centrais, a representação da divindade, é simbolicamente materializada para ser minimamente compreendida. Para que tais relações de sentido se estabeleçam e se sustentem, é necessário que, de algum modo, divindade e humanidade confluam e se comuniquem. Assim, através da linguagem, desponta o caráter animista do pensamento humano, o qual permeia essas representações e relações de sentido entre realidade e transcendência e as interações entre o limitado e o ilimitado, o palpável e o intangível, o transitório e o eterno.
Também construído pela/com a potencialidade da linguagem, o elo suplementar entre realidade natural e humana (descrita como materialidade física) e transcendência sobrenatural e sobre-humana (definida como espiritualidade) é definida e reconhecida como alma.
* Mito: do arquétipo à narrativa literária
Disponível em: https://berlinda.com.br/2023/01/03/por-elenilto-damasceno-mito-do-arquetipo-a-narrativa-literaria/