Os entrevistados na manhã desta segunda-feira (16) do Berlinda Entrevista, foi o casal de missionários da Igreja Luterana, Pastor Carlos Eberle e a professora Soraya Eberle, ambos também representantes da Faculdade EST de São Leopoldo. Em pauta, os desafios enfrentados durante cinco anos de missão religiosa em Honduras, país da América Central marcado pela pobreza e diversas desigualdades.
De hinários a parcerias regionais
Logo no início da missão, o pastor Carlos Eberle explica que tudo começou com um pedido de apoio ao Brasil. “A Igreja Luterana de Honduras tinha muitas necessidades e nos solicitou a elaboração de um hinário, um cancioneiro em espanhol para as quatro igrejas da América Central – Nicarágua, Costa Rica, El Salvador e Honduras. Foi assim que nossa história com Honduras começou.”
Para atender a essa demanda, a professora Soraya Eberle mergulhou na pesquisa. “Enquanto eu preparava um livro de hinos no Brasil, descobri que eles usavam canções de tradição local sem partitura, e importavam livros dos EUA traduzidos. Não havia material próprio. Por isso decidi realizar viagens periódicas anuais ao país, que duravam entre 15 a 20 dias. Em alguns anos, em mais de uma oportunidade estive lá”, comentou.
Choque cultural e solidariedade mútua
As viagens ocorreram entre junho de 2020 a janeiro deste ano. A adaptação ao cotidiano hondurenho foi outro aprendizado para Soraya. “O trabalho era desafiador: língua diferente, tradições e a presença frequente de voluntários estrangeiros. Mas a integração foi edificante. Eu sempre voltava encantada com a generosidade das comunidades locais”, afirmou
Carlos complementa, destacando as condições de vida: “Honduras tem quase 10 milhões de habitantes em uma área que representa um terço do Rio Grande do Sul. A maioria vive em situação precária: famílias numerosas, pais ausentes e grande vulnerabilidade social.”
Violência e riscos a fiéis
Durante os cinco anos, o casal acompanhou situações extremas de insegurança. “Tivemos membros da nossa congregação vítimas de sequestros, assaltos, coação por milícias e abusos pelas forças policiais”, lembra o pastor Carlos, frisando que essas ameaças atingiam famílias inteiras, incluindo crianças pequenas.
Misoginia institucionalizada
Soraya destaca as barreiras adicionais enfrentadas pelas mulheres: “No Brasil há ainda urgentes demandas de direitos, mas não temos ideia do sofrimento das hondurenhas. A misoginia e o patriarcado imperam. Para os homens hondurenhos, somente as mulheres da sua família – como mãe e irmãs – merecem respeito de fato. As demais, enfrentam desprezo. É cruel.”
Migração e dependência familiar
O fluxo migratório também entrou nas discussões: “Muitos homens saem em busca de trabalho na Guatemala ou nos EUA. Em casos mais raros, mulheres e filhos seguem o mesmo caminho. Curiosamente, os homens enviam dinheiro não às esposas, mas aos pais ou irmãos, mantendo a esposa financeiramente controlada por estes”, afirma Soraya.
Ela acrescenta outro ponto crítico: “Mulheres precisam da autorização do marido para até decisões cotidianas, como permitir que o filho durma na casa de um amigo. Idosas, entre 50 e 60 anos, acabam criando sobrinhos-netos porque as mães os abandonam em busca de outra família ou salário.”
Desafios legais e religiosos
A professora menciona como o arcabouço legal agrava a situação. “Honduras proíbe anticoncepção de emergência por motivações religiosas. Ao mesmo tempo em que se unem em parcerias informais, católicos e evangélicos se negam ao matrimônio formal, mas apoiam a manutenção da ordem patriarcal.”
Carlos encerra refletindo sobre a prática religiosa local: “Para evitar atritos, adaptamos nossa atuação. Durante todo o período em que lá estive, fiz apenas uma ‘benção matrimonial’ em cinco anos, para um casal que desejava reafirmar uma união de duas décadas. Confrontar ideologias ali seria impensável”, aponta.
Impacto econômico e cultural
Além das questões sociais, o casal observou o contexto econômico: “Honduras vive da agricultura – banana, camarão, café – mas enfrenta exploração estrangeira, corrupção e legado de narco-Estado. As remessas de trabalhadores no exterior são cruciais e chamam atenção. Muito dinheiro vem de fora, dos trabalhadores que estão no México ou EUA, para a subsistência familiar”, conclui Carlos.
Acompanhe o Berlinda Entrevista na íntegra: https://www.youtube.com/watch?v=b_Q83nzSxGs