Universidade Feevale conquistou uma patente que reconhece oficialmente uma inovação tecnológica inédita e sustentável no setor calçadista. A invenção, desenvolvida pelos pesquisadores da Instituição Carlos Leonardo Pandolfo Carone, Fernando Morisso, Patrice Monteiro de Aquim, Angela Beatrice Dewes Moura e Cláudia Trindade Oliveira, trata do reaproveitamento de resíduos industriais e agroindustriais — especificamente, o resíduo de rebaixamento de couro Wet-Blue e a serragem de acácia-negra — para a fabricação de fôrmas para calçados, peça essencial no processo de montagem do sapato. Com isso, a Feevale avança na consolidação de um modelo de pesquisa aplicada que alia desenvolvimento científico e contribuição efetiva para a sustentabilidade industrial. Participaram da invenção, também, Leonardo Lucas Paulos Chika, Sandra Tessaro e Júlia Maia Heckler.
A tecnologia patenteada envolve uma nova formulação composta por polietileno de alta densidade (PEAD), laminado sintético de poliuretano reciclado (LAM) e um dos dois resíduos citados — o Wet-Blue, típico do setor coureiro, ou a serragem da acácia-negra, derivada da atividade agroindustrial. Essa composição é transformada em um compósito capaz de substituir com desempenho técnico equivalente (e em alguns pontos superior) os materiais tradicionalmente usados na produção de fôrmas de calçados, como madeira e PEAD virgem.
A proposta elimina a necessidade do uso de insumos químicos auxiliares como plastificantes, compatibilizantes e aglomerantes, que costumam ser comuns em compósitos similares. Isso reduz custos operacionais, simplifica o processo produtivo e evita potenciais riscos ambientais relacionados a esses aditivos. Outro diferencial técnico é a economia significativa de energia proporcionada pela redução da temperatura de extrusão do material — de 210°C para 145°C —, o que representa até 30% de economia energética.
A formulação proposta é resultado da análise dos impactos ambientais causados por setores como o coureiro e o agroindustrial. Os curtumes, por exemplo, geram grande quantidade de resíduos sólidos perigosos, entre eles a raspa de couro Wet-Blue, classificada como resíduo de classe I pela norma ABNT NBR 10004, de 2004, que classifica os resíduos sólidos quanto aos seus riscos potenciais ao meio ambiente e à saúde pública. Estes resíduos, quando não destinados corretamente, são fonte de contaminação do solo e da água. A serragem da acácia-negra, por sua vez, é um subproduto de uma cadeia produtiva em crescimento no sul do país, cuja madeira e casca são amplamente utilizadas, mas que ainda carece de soluções para o aproveitamento integral de seus resíduos.
Tradicionalmente, essas fôrmas são feitas de madeira ou PEAD puro, materiais que oferecem bom desempenho, mas são onerosos e, em muitos casos, ambientalmente insustentáveis. Além disso, a reciclagem do PEAD tem seus limites: cavacos gerados no torneamento da peça podem ser reincorporados apenas até certo ponto, pois o uso excessivo de material reciclado puro tende a fragilizar o produto final. A nova formulação desenvolvida pela Feevale supera essa limitação ao combinar diversos materiais reaproveitados com o PEAD de forma otimizada.
Benefícios diretos para a indústria e o meio ambiente
A proposta tecnológica resulta, portanto, na criação de um novo tipo de fôrma: resistente, durável e economicamente viável. O material encapsula completamente resíduos como o Wet-Blue — que contém colágeno e cromo trivalente (Cr+3) —, evitando qualquer migração de cromo para a superfície e, consequentemente, impedindo sua oxidação para Cr+6, forma tóxica do elemento. Isso garante que o produto seja ambientalmente seguro, mesmo durante longos ciclos de uso.
A substituição de até 20% da matéria-prima por resíduos reaproveitados representa redução direta no custo de produção. Essa inovação melhora a margem das empresas do setor e promove uma nova cultura de valorização dos resíduos industriais, envolvendo desde a coleta e segregação até a reintrodução na cadeia produtiva.
Segundo Carone, um dos principais desafios enfrentados pelos pesquisadores até a concessão da patente foi desenvolver uma nova mentalidade dentro das cadeias produtivas envolvidas. “Tivemos que criar uma consciência da importância da redução de resíduos gerados nas linhas de produção, aproveitando outros materiais com apelo ambiental”, destaca.