POR ELISABETH BALDWIN: Um talentoso escritor leopoldense chamado Edson Migracielo

21 de dezembro de 2024 - 13:25
Por Elisabeth Baldwin é Professora Doutora em Literatura

Edson nasceu, por descuido, em Tramandaí.

No entanto, sempre foi de São Leopoldo. Como eram também seus pais, seus avós e suas tias. Desde muito cedo, vivia fascinado por histórias. Contou-me, certa vez, sua mãe que com poucos meses já era tomado de encantamento pelas figuras nos livros e pelas histórias que ela lhe contava. Parentes e amigos que frequentavam a família, quando lá chegavam, eram compelidos a participar de suas rodas de leitura e a pensar novas hipóteses para seus enredos e novos caminhos para o destino de seus personagens. Sentados no chão do apartamento, eram convidados a desfiar suas histórias. Já demonstrava, aos seis ou sete anos, se bem me lembro, uma paixão por problematizar o que lia na ficção. Se hoje desenvolve em suas obras um convite para o leitor pensar sua escritura, já o fazia desde cedo.

Filho de Edson Maciel e Ana Maria Roig, viveu sua infância em São Leopoldo. Depois passou a viver em Porto Alegre. Sempre muito amoroso e solícito, foi batizado de Mano pela irmã. Daí em diante, foi Mano para todos. Na escola primária e secundária estava sempre escrevendo pequenos livros. Fez um pouco de dramaturgia no colégio, representando Chaplin, personagem que admirava muito. Escreveu uma peça teatral que foi premiada na escola: O assassinato do anfitrião. Sempre amou a música, qualquer gênero, embora nunca tenha aprendido nenhum instrumento.

Adulto, formou-se primeiro em Jornalismo na PUCRS; em seguida, fez especialização em literatura Latino-americana na Universidade de Barcelona, Escrita Criativa na PUCRS e mestrado em Teoria Literária na UFRGS. Já escreveu três livros: um de contos ”A extinção da primeira pessoa” e dois romances “Sveglia” e “Novo corpo amoroso”, bem como editou um quarto “O enxerto do takaká e outros textos”, resultante do projeto “Desengavetando Smetak”, livro sancionado por um projeto cultural e publicado pela UFBA e, na sua quinta investida literária, selecionou, transcreveu, organizou e posfaciou “Educação natural”, inéditos de João Gilberto Noll, publicado pela Record, agraciado com o prêmio Jabuti, 2023, categoria Contos.

Os primeiros livros, conforme exposto no parágrafo anterior, são obras literárias elaboradas inteiramente por ele, um livro de contos e dois romances. Todas as três obras são diferenciadas. Vale uma leitura atenta e reflexiva. São belíssimas obras. Como contista ou romancista, Migracielo revela uma escritura pródiga em formulações surpreendentes e cenas fantásticas. Demonstra uma poética, às vezes erótica, deslocando-se entre corpo, sexo e gênero, outras vezes, intimista e lírica, passeando pela existência, do nascimento à morte. Lembra muito Noll, um pouco Lispector, Hilda Hilst e outros bons autores.

Agora, as outras duas obras, “O enxerto do takaká e outros textos”, uma edição genética e posfácio de textos inéditos do músico suíço Walter Smetak (1913-1984), editado pela Edufba, 2019, bem como “Educação natural: textos póstumos e inéditos” de João Gilberto Noll (1946-2017),  uma edição crítica e posfácio, editado pela Record, 2022, revelam outra faceta de Migracielo, tão grandiosa como a anterior, aquela do pesquisador de arquivos, editor e ensaísta de mãos cheias, que sensibilizou a Fundação Cultural da Bahia para patrocinar a edição do “O enxerto do takaká e outros textos” e a que recebeu o glorioso prêmio Jabuti 2023 – Contos, como citado anteriormente, “Educação natural: textos póstumos e inéditos”.

Escolho para ilustrar esta página uma leitura crítica sobre a primeira obra “A extinção da primeira pessoa”, 2005, que possui dezesseis contos, um belo e diferenciado livro de contos. Foi finalista do prêmio Sesc de Literatura, editado com recursos do Fumproarte da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre. Inaugura um exercício de alegorias urbanas e experimentações formais novas, enfatizando a reflexão sobre modos de existência e uma fabulação concisa e muito original (…) “minha mania de querer explicar para criar belezas” (…). Destaco o conto de abertura “O amor de Pedro por João”, que revela a possibilidade de amar o diferente, muito além da igualdade posta, e de escrever a própria vida de forma inaugural.

“Todos os habitantes de uma cidade chamavam-se Pedro. Pedro tomou um ônibus para ir ao encontro de Pedro. Sentou-se num assento ao fundo ao lado de Pedro. Pedro desceu no centro da cidade. Faltavam ainda uns quinze minutos para o encontro com Pedro, e então Pedro, para gastar tempo, entrou numa livraria (…). Não imaginei ou soube (a intuição é a chocadeira do que acontece) que se entrasse aqui, ainda que fosse por um breve momento, porque estava quase na hora do nosso encontro, encontraria, como num destino selado e cumprido, ‘o livro da minha vida’ ” (p. 15-16).

  Houve o encontro e o homem lhe disse que não se chamava Pedro como todos. Seu nome era João e entregou-lhe o livro que buscava. Quando o encontro chegou ao fim, Pedro abriu o livro que João lhe dera e o livro estava em branco. “Pedro tirou uma caneta do bolso e, ávido, pôs-se a escrever” (p.17).

Esse conto foi publicado na Revue transdisciplinaire franco-portugaise sur le secret, n.22, p.99-104, Automne-hiver, 2008, GRIS-FRANCE, bilíngue, traduzido para o francês pela professora Nina Rosa Roig.

O conto desenvolve uma forma de contar inusitada. É um tipo de conto de “efeito”, porque pretende produzir no leitor uma sensação inesperada. Promove, ainda, duas características essenciais: a) surpreender o leitor nas primeiras linhas com um começo forte; b) propor um final imprevisível, suspenso, exigindo da imaginação do leitor a elaboração do desfecho.

Hoje, Migracielo mora no Vale do Capão, na Chapada Diamantina, na Bahia. Vai despontando como um notável escritor, editor e ensaísta contemporâneo.

 

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