Itamar Vieira Júnior, escritor baiano, vence pela segunda vez o prêmio Jabuti/2024 de romance literário com a obra “Salvar o fogo”, depois de ter sido traduzido para mais de vinte idiomas e ter vendido maios de um milhão de exemplares de “Torto arado”, Jabuti 2023.Ainda assombrado por “Torto arado”, Itamar reafirma o tema da luta pela terra, agora nas mãos da Igreja desde o século XVII e da opressão da população despossuída e marginalizada do Recôncavo baiano.
Assim, nesta semana de sensibilização pelo Dia da Consciência Negra, volto ao Itamar do primeiro romance no qual o tema é narrado com maestria. “Torto Arado” tem no título “o arado”, instrumento agrícola, arcaico e obsoleto, mas torcido, enganoso, como símbolo da permanência do passado colonial e suas marcas indeléveis da escravidão. Representa um ato de amor à terra e aos despossuídos dela.
Foi lançado primeiramente em Portugal, após levar o prêmio Leya, em 2018; em 2019, no Brasil, pela Todavia, onde recebeu dois prêmios em 2020: o Jabuti e o Oceanos. Conta a história de uma família preta de trabalhadores rurais na Fazenda Água Negra no Sertão da Chapada Diamantina na Bahia. Zeca Chapéu Grande – curandeiro de corpo e espírito – Salustiana, sua esposa, e as filhas Bibiana e Belonísia.
Narra quarenta anos da vida familiar e da violência opressiva do trabalho escravo. É uma obra polifônica. Vem narrada por três vozes femininas não-letradas e marginalizadas: as irmãs Bibiana e Belonísia e a Encantada Santa Rita Pescadeira.
Torto Arado reforça o paradigma da contemporaneidade, que defende o hibridismo do “entrelugar”, suspendendo os binarismos essencialistas como, por exemplo, regionalismo e universalismo. Seus personagens expressam memórias coletivas de desigualdades raciais, sociais e de gênero, a partir do seu lugar, do sertão ainda escravizado, evocando a resistência ancestral dos povos quilombolas e das suas lutas pela terra por meio da religiosidade, uma trincheira de resistência e solidariedade na proteção dos povos africanos e indígenas explorados e perseguidos no Brasil colonial e pós-colonial. A obra destaca o Jarê, síntese religiosa típica da Chapada Diamantina, que aglutina as influências do Candomblé, as crenças indígenas dos Cariris e Marajás e o espiritismo Kardecista. Como estudiosa da memória cultural, entendo que os diversos registros de observação das práticas linguísticas e culturais revelam o projeto ficcional da escritura de sua obra, desvendando para o leitor a história da construção dessa identidade comunitária.
A obra de Itamar é uma incursão amorosa e detalhada nos arquivos dessa comunidade quilombola marginalizada e esquecida no sertão nordestino do Brasil! Essa afetuosa incursão foi construída por anos, por meio, dentre outras situações profissionais vivenciadas pelo autor, do estudo e o registro da geografia física e linguística da região e de seus fenômenos, a partir do olhar do mestrando em geografia, e da pesquisa etnográfico-antropológica, histórico-arquivista de práticas culturais da comunidade quilombola da região na sua tese de doutoramento “TRABALHAR É TÁ NA LUTA”: vida, moradia e movimento entre o povo Luna, Chapada Diamantina, UFBA, 2017. VIEIRA JUNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019.
Elisabeth Baldwin é professora da UFBA, Doutora em Literatura e Cultura: documentos da Memória Cultural. (prof.baldwin@yahoo.com.br) Itamar Vieira Júnior, escritor baian