POR ELISABETH BALDWIN: Dois bons escritores leopoldenses na Feira em Porto Alegre

9 de novembro de 2024 - 10:36
Por Elisabeth Baldwin é Professora Doutora em Literatura

Em meio à fermentação literária desses dias de Feira, chamo atenção para dois autores leopoldenses que me cativaram com sua escrita: Edson Migracielo, pelo seu talento de ensaísta e editor, e Elenilto Saldanha Damasceno, excelente contista.

Edson Migracielo

 Edson Migracielo nasceu em São Leopoldo. É escritor. Escreveu já três livros e planejou a edição de outros dois.

Fez Jornalismo, Escrita Criativa na PUC/RS, Especialização em Literatura Latino-americana em Barcelona, Mestrado em Teoria Literária na UFRGS.

Recebeu vários prêmios literários.

Sugiro que busquem na Feira do Livro e usufruam a bela leitura do livro “Educação natural: textos póstumos e inéditos”, do organizador, posfaciador/ensaísta Edson Migracielo, com vinte e seis contos póstumos e um romance inacabado do grande escritor João Gilberto Noll, livro que foi publicado pela Record e foi agraciado com o Prêmio Jabuti 2023, categoria Contos.

Contos como “Frontal”, “Educação natural”, “Amores dementes, noite fatal”, “Loba”, Banheiro público”, “Boda”, “A face árida” e o ” Romance inacabado” merecem a atenção do leitor que busca literatura de qualidade.

Reverenciando a beleza poética e trágica de Noll, um dos maiores romancistas brasileiros dos séculos XX e XXI, deixemo-nos envolver por algumas frases de “Loba”:

“O encanto que essas vastas campinas exercem sobre mim é intenso, contava Van Gogh a seu irmão, Théo. Dizia mais, dizia que, [Dessa forma não me aborreci nem um pouco, apesar das circunstâncias essencialmente aborrecidas: o mistral e os mosquitos]. Bati na cara como se quisesse matar um mosquito no ato da picada na minha face, ou como se, ao mesmo tempo, buscasse outra finalidade com esse gesto: a de me acordar dos devaneios que eu costumava ter ao ler trechos da vida de artistas que eu não soubera ser” (p.81).

Migracielo transcreve uma conversa gravada que ele teve com Noll onde ele revela a essência da sua escritura. Está no posfácio e é uma joia que foi revelada unicamente a Migracielo.

“(…) Todo quadro ficcional é bizarro, é voz destoante. É uma voz que muitas vezes parece egoísta, egoísta, mas não é. O ser humano tem descuidado do indivíduo. Se há algum discurso político na minha literatura, eu diria que é este: por um sujeito que possa se transfigurar. A transfiguração é vital na literatura –  é o tal de ‘estranhamento’. O que seria da arte sem o componente de estranhamento? E revolta, sim, claro que é revolta. Eu queria o mundo diferente do que ele é (…)” (.p201).

E continua mais adiante Migracielo:

“Naquela conversa que tive com Noll, citei o devaneio deleuziano da literatura como inventora de povos e perguntei-lhe que povo pretendia instaurar. [O dos vagabundos, dos seres que querem mais a contemplação do que a ação. Que querem uma nova administração do cotidiano]” (p.204).

(Ideal de qualquer artista, eu ousaria proferir!)

Elenilto Saldanha Damasceno

 A segunda obra, “Curta ficção”, do escritor leopoldense Elenilto Saldanha Damasceno, foi editada pela Metamorfose, de Porto Alegre, em 2023. O autor foi finalista do Prêmio Off Flip de Literatura 2021 – categoria Conto.

Reúne vinte e oito textos; dentre eles, vinte contos inéditos.

O autor também publicou “Textos do Novo Testamento nas crônicas de Machado de Assis e foi finalista do Prêmio AGES 2022 na categoria não ficção.

Elenilto é professor, escritor, jornalista e revisor. Colabora como colunista e crítico literário nos sites Artistas Gaúchos, Escrita Criativa e como editor na revista Expressão Digital.

É mestre em Estudos de Literatura e especialista em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Seus contos encenam realidades cotidianas e curiosas, com linguagem cuidadosa e figuras de estilo bem empregadas.

Surpreendem o leitor pela intertextualidade com escritores conhecidos e personagens dos evangelhos, como “Café passado” [lembra Jorge Luis Borges], “Onde morre o sabiá” [Gonçalves Dias], “Quando perdi a cabeça” [evangelhos].

Alguns pontuam situações existenciais, como “Dedico” e “Profanação”.

O conto “Profanação” desenvolve uma bela alegoria pela extensão do uso da linguagem simbólica.

“Era sua primeira vez em Paris, e era inverno. A cidade hibernal estava dominada por duas cores: tonalidades acinzentadas e aquele amarelo arenoso definido como tom ‘pastel’. (…) Sem apressar o passo, controlou a ansiedade até chegar ao destino pretendido, a ‘Île de la Cité’. E eis a catedral virginal diante dele, desavergonhadamente nua e exposta ao seu olhar incrédulo.

Antes de penetrá-la, cortejou-a com atenção plena. (…) Foram três voltas demoradas pelo seu corpo, para observar o maior número possível de detalhes. (…) Agora, diante da porta central e ogival da grande dama, caminhava resoluto para penetrá-la com um tesão santificador.

E foi um orgasmo infinito. Tempos depois, o mundo inteiro também viu Notre Dame incendiar. Mas era primavera” (p.19-21).

O livro “Curta ficção” é de leitura rápida e leve. Uma ótima aquisição para adolescentes e adultos. Está na Feira do Livro, na Banca de Autores Independentes.

 

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