A presença de 300 negros na Feitoria 30 anos antes de 1824, ou seja, chegada dos imigrantes alemães, por incrível que pareça, é um dado histórico sobre São Leopoldo que poucas pessoas sabem. Segundo os poucos registros, estavam aqui os indígenas, negros (escravos) e portugueses. Às vésperas dos 200 anos do Bicentenário, graças a professores/pesquisadores o assunto sai da invisibilidade para pautar debates, escolas e a própria mídia como o Berlinda News Entrevista que recebeu nesta quinta-feira, a professora Indiara Passos dos Santos, Mulher negra de Axé, 41 anos. Há 15 anos na rede municipal de educação da cidade, Indiara é assessora técnica do Núcleo de Educação das Relações Étnico-Racial (Nerer) da Smed, criado em 2017.
Denúncias semanais
“O Nerer trabalha as questões das relações étnico raciais com os indígenas, negros e os migrantes de hoje (senegaleses, haitianos) que precisam ser recebidos e acolhidos, fazemos a formação de professores e estudantes e semanalmente tratamos de denúncias que chegam também pela ouvidoria. É um processo longo porque precisa conscientizar a sociedade e além dos estudantes precisamos atingir os pais, avós em suas comunidades para que saibam o papel fundamental no crescimento da nova geração como parte da sociedade.”
Ódio e intolerância
“O maior desafio e dificuldade é fazer com que as pessoas reconheçam, aceitem e respeitem as etnias raciais para que o desconhecimento não se transforme em ódio e intolerância com ataque às casas de religião e morte de pessoas como a mulher negra de 72 anos Bernardete, na Bahia, que foi assassinada com mais de 70 disparos, boa parte no rosto porque defendia as pessoas e a crueldade é um recado da não/aceitação do ódio”.
Mãe Jovelina
“Uma das minhas fontes de sabedoria para meu trabalho diário e do mestrado é Mãe Jovelina da terreira Cacique Peri, em frente à estação Unisinos. Há mais de 70 anos ela enfrentou o preconceito, o ódio com o objetivo de fazer com que ela saísse de sua casa. Pessoas colocavam despachos em frente à terreira para que ela fosse culpada e expulsa. Mãe Jovelina é uma enciclopédia viva que nós professores precisamos fazer com que os estudantes conheçam como referência assim como Isaura Maia. Tudo isso estou tratando no meu mestrado na UFRGS com a dissertação é “A Educação Étnico Racial através da Lei Municipal 6116/06 – Recontando a História e Identidade Afro-Leopoldense ao Comemorar o Bicentenário da Imigração Alemã: Reflexões, Avanços e Desafios”.
Lei municipal 16.116/2006
“Nosso trabalho no Nerer é sobre a lei 16.116/2006 que diz: “É obrigatório a inclusão no currículo da Rede Pública Municipal de Ensino a História da África e da Cultura Afro-brasileira, conforme estabelece a Lei federal nº 10.639 de 9 de janeiro de 2003. Torna-se obrigatório a inclusão no currículo da rede pública municipal da história Afro-riograndense e afro-leopoldense”. Precisamos produzir material de qualidade para levar aos estudantes.”
Macumba na sala de aula
“Em uma das escolas da rede municipal que trabalho estou desenvolvendo projeto que é falar sobre a história dos afrodescendentes que fazem parte da nossa cultura. E uma pessoa me denunciou dizendo que eu estava levando macumba para as crianças do 7º ano.”
Causos
“Sempre conta esse causo. Na educação infantil de uma escola, a menina de 5 anos disse “Sora Indiara que lindo teu chapéu de cozinheira”, referindo- se ao meu turbante. Essa criança não falou isso do nada, certamente escuto isso além de ver na TV o lugar de negros nas novelas. É sobre isso o nosso trabalho incansável no Nerer, por exemplo, com a Rose e o Carlos, somos três pessoas.”
Quem é Indiara Tainan Passos dos Santos
- Professora Indiara Tainan Passos dos Santos, Mulher negra de Axé, 41 anos. Filha de Mãe Isabel de Oyá, do Ilê Axé Oyawoye de São Leopoldo, e do Artista Plástico Autodidata Valdeme Ribeiro dos Santos;
- Assessora Técnica do NERER (Núcleo de Educação das Relações Étnico-Racial) da Secretaria Municipal de Educação de São Leopoldo;
- Professora da Rede Municipal de Novo Hamburgo, Pedagoga, Neuropsicopedagoga, Especialista em Educação Especial Inclusiva e Atendimento Educacional Especializado;
- Coordenadora da Rede Nacional de Mulheres Negras no Combate à Violência no RS – Região da Grande Porto Alegre. Artista Criativa, Contadora de Histórias, Poetisa;
- Coordenadora do Projeto Pingos e Gotas de Luz do Centro Espírita de Umbanda Luz Divina de Novo Hamburgo;
- Co-fundadora do Coletivo de Profes Pretas. Mestranda em Ensino de História pelo ProfHistória da UFRGS.
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