POR Elenilto Saldanha Damasceno: O lugar da Bíblia na história da linguagem

10 de outubro de 2023 - 09:04
Por Elenilto Saldanha Damasceno

O crítico literário, escritor, filósofo, professor e teólogo canadense Herman Northrop Frye, em sua obra O Código dos códigos: a Bíblia e a Literatura, afirma que todo texto considerado sagrado “está intimamente relacionado com as condições de sua linguagem”. O Islamismo e o Corão, por exemplo, são intrinsecamente ligados pela língua árabe. Já o Judaísmo, o Talmude e o Antigo Testamento são inerentemente unidos pela língua hebraica. Entretanto, entre as três grandes religiões monoteístas, Frye destaca que o Cristianismo tem um aspecto peculiar em relação às condições de linguagem de seu texto sagrado particular, visto que, “enquanto religião o cristianismo sempre dependeu mais da tradução. O Novo Testamento foi escrito num grego koine, que parecia não ser a língua nativa dos seus autores. Qualquer que fosse a familiaridade desses autores com o hebraico, eles preferiam usar em suas referências ao Antigo Testamento a tradução em grego da Septuaginta”.

Através de uma analogia com os textos poéticos, constituídos com imagens e sentidos os quais dificultam traduções de uma língua para outra, Frye questiona o fato de o Cristianismo optar, justamente, pela tradução e utilização do grego koiné, falado a Leste do Mediterrâneo, nas eras helenística e românica, para a composição do Novo Testamento, uma vez que, normalmente, a tradução “não reivindica substituir o original”.

Northrop Frye apresenta resposta a essa questão a partir da análise da visão histórica da força linguística ou história da langage (linguagem) proposta pelo filósofo, historiador e jurista italiano Giambattista Vico. “Segundo ele, há três idades num ciclo histórico: uma idade mítica, ou idade dos deuses; uma idade heroica, ou idade de uma aristocracia; e uma idade do povo, depois da qual sobrevém um ricorso ou retorno que recomeça o processo todo. Cada idade dessas produz seu próprio tipo de langage, dando-nos três tipos de expressão verbal. Vico denomina os três tipos, respectivamente, de poético, heroico ou nobre, e vulgar. Eu os chamarei de hieroglífico, hierático e demótico. Estes termos se referem antes de mais nada a três modos de escrita, porque Vico acreditava que os homens se comunicavam por sinais antes que pudessem falar. Para Vico, a fase hieroglífica corresponde a um uso ‘poético’ da linguagem; a fase hierática, a um uso sobretudo alegórico; e a fase demótica, a um uso descritivo. Os três termos de Vico, além de sua identificação, são muito sugestivos como ponto de partida para se pensar o lugar da Bíblia na história da linguagem”.

Assim, para analisar como a linguagem se constitui enquanto elemento literário no conjunto dos textos bíblicos, é necessário debruçar-se não apenas sobre “a linguagem da Bíblia, mas a linguagem que as pessoas usam ao falar sobre ela – e sobre questões conexas, como a da existência de Deus”.

 

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