No plano do discurso ou da narração literária*, a referência temporal também pode alcançar sentido totalmente subjetivo, alheio às convenções sociais. É o denominado tempo psicológico, o qual representa uma mudança, uma transformação em relação à dimensão do tempo cronológico. O tempo psicológico revela-se em consonância com a interioridade humana, representada pela subjetividade da personagem. É o sentido de tempo que se filtra a partir de vivências e experiências particulares, individuais.
O crítico literário e professor fluminense Domício Proença Filho explica que o tempo psicológico, “interior e relativo, situado no âmbito da experiência individual”, também é anacrônico, uma vez que subverte totalmente os parâmetros do tempo cronológico.
Por apresentar duração interior, o tempo psicológico não é convencional nem mensurável, mas sim essencialmente subjetivo. De acordo com o crítico literário, filósofo e professor paraense Benedito Nunes, representa uma dimensão ao mesmo tempo caótica e libertadora, ao revelar “ações, caracteres e estados pelo ângulo oscilante e incerto da experiência interna, a partir do qual as situações externas e objetivas se ordenam” ou procuram se ordenar. Nunes baseia-se no pensamento do filósofo francês Henry Bergson, “que encontrou no tempo psicológico a antecâmara da liberdade”. O tempo psicológico expressa-se como liberdade intuitiva, introspectiva, pessoal e em novidade de consciência. Em síntese, é o caminho para a liberdade porque, nos momentos imprecisos e nos estados mutáveis da consciência, tudo é novo.
Ressalte-se que, no plano do discurso ou da narração literária, as representações do tempo psicológico estão sob o controle do narrador, a primeira pessoa do discurso narrativo e, segundo o crítico literário e professor paulista Massaud Moisés, “como um verdadeiro demiurgo, ele cria suas personagens e o tempo de que elas devem dispor para realizar-se e convencer-nos, à semelhança dos seres vivos. E cria o tempo à sua maneira, sempre no objetivo final de criar humanidade viva ‘dentro’ [da personagem e da narrativa]”.
* O tempo do discurso ou da narração literária
Disponível em: https://berlinda.com.br/2023/05/23/por-elenilto-damasceno-o-tempo-do-discurso-ou-da-narracao-literaria/