POR ELENILTO DAMASCENO: A narrativa literária

31 de janeiro de 2023 - 08:57
Por Elenilto Saldanha Damasceno é professor, escritor e jornalista

A narrativa literária é uma das atividades humanas de enunciação narrativa. É uma forma discursiva de construção de um conhecimento de realidade que se serve da imaginação, da ficção e de linguagem artisticamente elaborada para apresentação de uma história imaginária, como se fosse real, e para criação de um universo diegético ou ficcional como representação de uma realidade possível.

A narrativa literária desenvolve-se em dois planos: do discurso (ou da narração) e da diegese (ou da história). O plano do discurso explora os aspectos denotativos e conotativos ou figurados da linguagem. O plano da diegese constrói um universo ficcional que espelha um mundo possível ou verossímil a partir do próprio discurso narrado e envolve uma pluralidade de personagens, situações e conflitos em tempos e espaços determinados.

Segundo o crítico literário francês Maurice-Jean Lefebve, a narrativa literária “parece repousar sobre um paradoxo: quer-se ‘realista’ por essência, aspirando o papel de espelho do mundo, restituindo-nos o seu tempo e o seu espaço, os seus problemas […] e baseia-se neste postulado implícito da crença na realidade do mundo representado. Contudo, sabemos também que esse mundo é fictício, e que é sobre esta diferença que se implanta o seu poder literário e poético”.

Esse paradoxo é o espaço do literário. O mundo ficcional torna-se concreto através do discurso, da narração com linguagem esteticamente elaborada. Esse universo ficcional ou diegético não existe por si só; é construído através da narração. Também na narrativa literária, portanto, a realidade (da diegese) depende do discurso e do potencial imanente da linguagem para criação de realidades. Os críticos literários e professores portugueses Ana Cristina Macário Lopes e Carlos António Alves dos Reis destacam que, na narração em terceira pessoa, “O processo narrativo funda-se numa atitude de variável distanciamento assumido por um narrador em relação àquilo que narra, assim se instituindo uma alteridade mais ou menos radical entre o sujeito que narra e o objeto do relato […]; o processo narrativo revela uma tendência para a exteriorização, responsável não só pela caracterização e descrição de um universo autônomo (personagens, espaços, eventos etc.), mas também pela tentativa não raro assumida pelo narrador de adotar uma atitude neutra perante esse universo; finalmente, o processo narrativo instaura uma dinâmica temporal”.

A leitora ou o leitor também participa desse processo dinâmico o qual estabelece aproximações e distanciamentos entre identidade e alteridade, interiorização e exteriorização, envolvimento e neutralidade. Por isso, quem lê narrativas literárias, como contos, novelas e romances, tende a desenvolver não só a imaginação e o pensamento analítico crítico, mas também a empatia e a consciência humanitária. Daí a importância de mais livros e menos armas.

 

 

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