No romance “Porteira fechada”, o escritor gaúcho Cyro dos Santos Martins representa, através da personagem João Guedes e sua família, os impactos sofridos pelos trabalhadores do campo com as transformações econômicas e sociais ocorridas no Rio Grande do Sul nas primeiras décadas do século XX. Trabalhadores rurais e famílias obrigam-se a abandonar suas comunidades, sem rumo e futuro definidos. Desempregados e sem terras para produzirem, migram e aglomeram-se em pequenos povoados, onde passam por processos de precarização, degradação e descaracterização identitária. Perdem seu sentimento próprio de honradez e tornam-se vítimas de um sistema econômico que os destina ao fracasso e à miséria.
A narrativa retrata a vida de campesinos na época agropastoril caracterizada pela decadência das estâncias. Representa, também, a ruína do gaúcho mitificado como herói dos pampas a partir da imagem realista do gaúcho pobre e a pé.
A obra foi publicada em 1944. Nessa época, o autor já dispunha de meios para avaliar os reflexos dessa crise social no Rio Grande do Sul, que culmina na década de 30, gerada pelo novo modelo econômico hegemônico. Até hoje, tais reflexos permanecem enraizados em nossa sociedade, nas graves mazelas oriundas do êxodo rural e da desenfreada ocupação urbana e seus consequentes aumentos de desemprego, miséria, violência, desigualdade e exclusão social, em contraste com a concentração de terras e meios de produção nas mãos de uma poderosa elite latifundiária envolvida em relações políticas espúrias voltadas a seus interesses privados e baseadas em práticas de exploração e corrupção. Cyro Martins foi quase profético ao denunciar, à época, uma terrível e quase inevitável visão futura que, de fato, se constituiu e se mantém no contexto atual.
A fome e a pobreza voltaram a se agravar em nosso estado, nos últimos anos. Conforme dados recentemente divulgados pelo Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Rio Grande do Sul (Consea/RS), atualmente mais de um milhão de gaúchos passam fome e, em cada dez famílias, sete enfrentam dificuldades para conseguir se alimentar, ou não têm o que comer. Portanto, as porteiras e os horizontes permanecem fechados para a maioria da população.