POR ELENILTO DAMASCENO: O sabiá e o gavião

22 de maio de 2022 - 12:35
Por Elenilto Saldanha Damasceno é Professor, escritor e jornalista

A patativa é um pequeno pássaro cinzento encontrado no sertão nordestino e muito admirado pelo seu belo canto. Talvez nunca tenhas ouvido falar dessa ave, talvez não saibas patavina a respeito de patativas ou quaisquer tipos de pássaros, mas é conversando sobre eles que iniciamos nossa prosa.

Vou te contar uma história. Eis que a patativa, apreciadora da boa música, resolveu formar um grupo de canto. Convidou o sabiá, o galo-de-campina, o sofrê e o canário. A união do talento e do trinado especial de cada um encheu o sertão cearense com uma melodia harmoniosa e encantadora. O gavião, autoritário e ranzinza, decidiu fazer parte do grupo, mas quis impor uma única maneira de cantar.

Agora, vou te falar de um poeta. Antônio Gonçalves da Silva, conhecido como Patativa do Assaré, era um poeta do povo. Em 2002, após 93 anos de simplicidade e sabedoria, Patativa parou de gorjear. No entanto, permanece vivo nas asas e nos cantos dos pássaros e das gentes, nos versos que revelam seu olhar sensível sobre a vida, a língua e os costumes de seu povo, marcado por suas histórias de luta e esperança.

Olha, vou te contar um segredo. Inventei a história que te contei inspirado no poeta e em seu poema “O sabiá e o gavião”. Patativa do Assaré, amante da poesia e da natureza, regozijava-se com cada canto de passarinho. Sabia que a diversidade revela o esplendor da criação. Atento ao canto dos pássaros e ao falar da sua gente, enaltecia, em seus versos, a beleza do falar simples e espontâneo do povo. Transpôs para seus poemas essa ideia fundamental de que a beleza e o encantamento da criação despontam de sua exuberante diversidade. Assim é na natureza, assim é na língua, assim é na arte, assim é na vida.

E tem mais, camarada! Se deixares teu pensamento flutuar com o meu, perceberás que todos somos pássaros em voo de arribação com rumo e tempo incertos. Só durante o voo se definem a direção e o pouso. Nesse voo, seguimos regras e rotas aceitas coletivamente, mas as modificamos para adequá-las às condições do momento e de cada estação. O que atrapalha nosso voo, por vezes, são os gaviões a insistirem em privilegiar um único canto, em migrar contra o vento e em impor uma única direção. Esquecem eles que voar é um exercício de liberdade e que a liberdade pressupõe escolhas, descobertas, desvios e riscos.

Patativa do Assaré cantou essa liberdade de passarinhos sem grades, gaiolas e ameaças de predadores. É por isso que os poetas se fazem sabiás, nos convidam e nos alçam a voos tão mais felizes e mais leves e mais livres quanto mais distantes dos gaviões. E é por isso que cantos e voos de bandos de passarinhos sempre serão muito mais belos, harmônicos e plenos do que os grasnidos e rasantes de certas aves de rapina agressivas, autoritárias e sombrias que existem por aí.

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