MUITO CACIQUE E POUCO ÍNDIO ? O HOSPITAL CENTENÁRIO E A HIPOCRISIA DO SILÊNCIO DAS ENTIDADES CIVIS LEOPOLDENSES

23 de junho de 2020 - 13:40
Por João Darzone - Advogados

Um dos pilares de gestão no setor privado é o chamado mantra do cacique: na aldeia quem manda é o cacique, não importa o número de índios. Ou seja, quem manda é o chefe.

Como o presente ensaio, tem viés provocativo, define-se, respeitosamente, pelo sabor da ironia, que no setor privado caciques são os (chefes) administradores e índios os trabalhadores.

Uma definição clara e clássica de linha de comando na iniciativa privada, é que a mesma, se estabelece pelo critério de hierarquia, pela racionalização de recursos e maximização das potencialidades humanas. O chefe tem que ter talento e tem obrigação de acertar.

O “cacique privado” é talhado por anos de estudo e muito preparo justamente pelo esforço de tentar errar o menos possível. Alça na hierarquia privada a condição de cacique por mérito.

Dá muito trabalho ser cacique no setor privado, pois aqui o fracasso pode significar ruína.

A aritmética do mantra do cacique é uma equação simples no setor privado: o número de caciques é DIRETAMENTE proporcional ao número de índios, onde mais índios mais caciques, e onde menos índios menos caciques.

Já no setor público, pelo sabor da ironia, pode-se dizer que índios são servidores de carreira, preparados e devidamente concursados (trabalhadores) e caciques (chefes) os que ocupam espaço por indicações políticas.

No setor público uma lógica invertida quase sempre é manifestada. Neste mundo o mantra do cacique é inverso: o número de caciques é INVERSAMENTE proporcional ao número de índios, onde mais índios menos caciques, e onde menos índios mais caciques.

É muito perceptível que o talento e mérito na maioria das vezes está nas mãos dos índios, pois, afinal é o índio que se prepara por anos para ser aprovado em duro concurso. Ou seja, é índio por esforço e mérito. Dá muito trabalho ser índio no setor público, custa caro e quase implica em sacrifícios até a aprovação em concurso.

É fato que se vê na maioria das organizações públicas a incrível multiplicação de caciques. As descrições previstas em lei para nominar os cargos de gerência, direção, presidente, secretários, chefias, consultor, que justificam a maioria dos Cargos em Comissão são chocantes.

Na maioria das vezes, a lei simplesmente muda os nomes das funções apenas para justificar polpudas funções gratificadas ou carreiras de uma pessoa só que não encontram amparo nos estatutos de servidores públicos, pois, e muito pior, na maioria das vezes, estas funções se sobrepõem às carreiras típicas dos servidores, o que pode impedir que o índio venha, no futuro, a se tornar um possível grande cacique.

No meio político, o desenvolvimento da virtude ‘liderança’ de fato é condição essencial para alçar posições de poder, ou seja, todo político que não é cacique almeja ser cacique, sem ter, contudo, sido índio, ou ter passado pelo trabalho do índio.

E aí, geralmente tem-se o problema. Liderança política e competência de gestão quase nunca andam juntas e quase sempre resultam em desperdício de dinheiro público, e infelizmente, muitas vezes em desvios como nos mostram os escândalos frequentemente noticiados.

Estes resultados trágicos geralmente são produzidos no poder público por quem almeja ser cacique, sem jamais ter sido índio e pelo excesso desproporcional de caciques dentro das organizações.

No meio privado, ambiente em que falhas gerenciais significam a falência e numerosas consequências jurídicas (que podem resultar até em prisão do empresário ou administrador pelo simples fato de não ter dinheiro para recolher contribuições previdenciárias dos empregados), competência de gestão e liderança são indissociáveis pois é condição de sobrevivência.

E ao contrário do setor público, em que egos devem ser administrados com zelo pelos complexos arranjos políticos de quem está no exercício do poder, arranjos ou enjambres políticos, no meio privado, são ‘fatais’ para a empresa ou organização.

E o meio empresarial capilé e nacional é recheado de exemplos de pai rico, filho nobre e neto pobre que mostram que se parentes de empresários não tiverem em seu DNA as mesmas virtudes de liderança e gestão do sucedido devem ser excluídos sumariamente da cadeia de comando dos negócios.

Não há (ou não deveria haver) espaço no segmento empresarial profissional para práticas de ‘nepotismo privado’ ou amadoras, eis que não ter domínio do metiê, simplesmente, pode causar a ruína do negócio por um erro de avaliação.

Tudo deve ser meticulosamente planejado e calculado para que se evitem duas heresias do setor privado: “retrabalho” e “prejuízo”. Ou seja, no setor privado o mérito é conquistado pela visão do cacique que normalmente trabalha para que o índio tenha êxito na sua função. Índio feliz, cacique feliz.

 Já no setor público, o viés, muitas vezes contrário ao setor privado, vemos que o mérito é conquistado pela visão do índio que normalmente trabalha para que o cacique tenha êxito na sua função. Cacique feliz, índio feliz.

A odiosa prática de nepotismo, o que é vedado, colocar parentes ou simpatizantes em posição de mando (ou não) dentro da administração pública, gera incoerência de gestão, pois em determinados casos de interferência por indicação politica é até aconselhável que o nomeado não faça nada e fique em casa pois, poderá sair mais barato ao contribuinte caso algum aventureiro de ocasião invente algo diferente.

Por estas razões, a história recente da gestão pública leopoldense e sua modernização que mesmo a passos de tartaruga e pelo torcer de narizes de muitos gestores públicos é balizada legalmente pelo esforço que as decisões administrativas sejam cada vez mais abertas ao controle social e que erros sejam evitados para que se minimizem os prejuízos aos maltratados cofres públicos, transferiu-se parte da responsabilidade gerencial do poder público para sociedade civil, através dos chamados Conselhos.

O poder dos Conselhos está presente em segmentos estratégicos da administração pública a saber: SEGURANÇA – Lei Municipal n. 8.899/2018, HOSPITAL CENTENÁRIO – Lei Municipal n. 8.407/2016, MORADIA – Lei Municipal n. 8.921/2018.

Nosso foco, hoje, é o Hospital Centenário. A Lei Municipal n. 8.407/2016 determina que a gestão da Fundação Centenário seja feita por 3 órgãos a saber :I – o Conselho de Administração; II – a Diretoria Técnico-Administrativa; III – o Conselho Consultivo.

A referida lei em seu art. 11 estabelece o que o Conselho Consultivo tenha participação de quase todas entidades civis leopoldense como se vê:

“Ao Conselho Consultivo compete contribuir para a orientação geral dos negócios da organização, apresentando e prestando informações de interesse da sociedade, e para a sociedade, visando contribuir com as políticas e diretrizes da Fundação e das partes interessadas.

 

  • 1º O Conselho Consultivo e órgão de funções consultivas e de orientação será constituído por representantes, titulares e suplentes indicados abaixo:

 I – Presidente da Fundação;

 II – 1 (um) representante da Secretaria Municipal de Saúde;

 III – um representante do CREMERS, de São Leopoldo;

IV – um representante da Associação Médica de São Leopoldo;

V – um representante do IAPS;

VI – um representante da Câmara de Vereadores;

VII – um representante do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade CDC;

VIII – um representante da Associação dos Servidores Públicos Municipais da Saúde;

IX – um representante do Conselho Municipal de Saúde;

 X – um representante da Associação Comercial, Industrial, Serviços e Tecnologia de São Leopoldo- ACIST;

XI – um representante da Câmara de Dirigentes Lojistas – CDL;

 XII – um representante da Ordem dos Advogados do Rio Grande do Sul – OAB;

 XIII – um representante do Sindicato dos Contabilistas, de São Leopoldo.

  • 2º Cada um dos representantes das entidades não-governamentais será indicado pela própria entidade representativa, bem como seus devidos suplentes.”

 

A lei é clara: as entidades nominadas tem poder de decisão, por determinação legal.

Agora a pergunta: usaram estas atribuições?

Se as notícias lançadas nos sites citados no fim deste texto, não forem consideradas fake news pelos críticos podemos concluir que a crise na saúde leopoldense não começou em março de 2020. A falta de estrutura, o descaso com servidores, o descaso com planejamento deteriorou a saúde pública muito antes do covid-19.

Atribuir exclusivamente à atual gestão o desastre de avião que é saúde pública leopoldense é matéria um pouco questionável, afinal a deterioração do segmento é um “trabalho” de décadas. Apesar de todo o esforço das ultimas três gestões em resolver os problemas estruturais do Centenário o resultado é o fracasso.

Não é concebível que uma estrutura que nem do H.C. tenha número de caciques, superior a de uma multinacional do porte do Grupo Gerdau, ou tenha tantos ou mais conselheiros que o Grupo Bradesco. E, pior, caciques, que nunca foram índios.

Um ambiente com tantos caciques torna inóspita a criatividade e a eficiência, pois inibe a ação dos índios.

 Imagine-se o quão difícil deve ser a vida do índio do H.C., que deve acatar as diretrizes dos vários caciques e somando-se nesta confusa rotina os pitacos, de uma dezena de palpiteiros nomeados pelas entidades civis que também entram na estrutura de mando como caciques, sendo que nunca foram índios na aldeia do H.C.

São sim palpiteiros, pois, o resultado apresentado nos últimos 4 anos não é satisfatório, se considerados os padrões privados de gestão, é amador e temerário. Resultado típico de palpiteiros interferindo na gestão.

A mera leitura da Lei Municipal n. 8.407/2016, deixa claro que a sociedade civil é representada pela maioria das entidades civis leopoldenses que figuram como participantes na gestão da Fundação Centenário desde 2016.

A lei claramente impõe a todas as entidades nominadas razoável poder de decisão individual ou coletiva, ou seja, cada representante diante de apresentação de justas razões, possui poder de influenciar a gestão administrativa dentro da Fundação Centenário e, se cientes dos problemas se omitiram em apresentar soluções ou simplesmente não quiseram se envolver.

Se a participação da entidades é apenas para selfies, ou essas representações/titulações são apenas meramente sociais, a saúde de São Leopoldo também é resultado da omissão de todas elas. Sem exceção.

Agora, se não for por omissão de todas as entidades que tem cadeira no Conselho Consultivo do Hospital Centenário, fica a questão no ar: por quê? Em troca de uma portaria para expor em Facebook ou Instagram com agradecimentos melosos as autoridades que assinam? Por quais motivos deixam ‘passar batido’os conhecidos problemas do H.C.?

É preciso que fique bem claro, as entidades civis leopoldenses tem grande número de associados de todos os matizes sociais, econômicos e ideológicos, e se não há controle dos acontecimentos administrativos da Fundação Centenário é porque não cumprem seu papel legal.

Atirar flechas e tacapes em governo que não funciona é dever cívico. Mas, a letra morta da lei impõe severas dúvidas sobre se a totalidade da responsabilidade desse caos é exclusivamente do poder público.

E a choradeira das pitangas de muitos segmentos hoje afetados pelo hastear da bandeira vermelha também é o resultado de que as entidades que deveriam “contribuir para a orientação geral dos negócios da organização, apresentando e prestando informações de interesse da sociedade, e para a sociedade, visando contribuir com as políticas e diretrizes da Fundação e das partes interessadas”, não cumpriram seu papel determinado pela lei.

Como não se encontra palavras e frases para finalizar este texto, para traduzir, o que deve ter acontecido na gestão do H.C. em todas as reuniões do dito conselho consultivo, deixa-se o para o cantor FABIO JUNIOR resumir didaticamente:

 

Muito cacique pra pouco índio

Muito papo e pouco som

Pessoas querendo ser o que não são

Quanta conversa jogada fora

Quanto sentimento em vão

(…)”

música Muito Cacique Pra Pouco Índio

 

Agora, se nunca houve conversa nestes Conselhos a situação é muito pior, POIS, QUEM CALA CONSENTE!

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